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20 anos

Guga Gustavo Kuerten Rolando Garros 1997

Guga Gustavo Kuerten Rolando Garros 1997

20 anos. Em dias assim sou encharcado pela saudade da época em que as lembranças exatas não podiam contar uma década sequer. Éramos tão jovens. Ainda somos até, embora não mais tanto assim. Já somamos algumas histórias. Lembro de contar 12 anos, sair do quarto do hospital e atravessar a rua rumo ao condomínio. Entrei no apartamento vazio, liguei a televisão na Rede Manchete e me acomodei no sofá. Não seria futebol. Era tênis. Pela primeira vez em minha vida eu assistiria a uma partida inteira com raquetes de lado a lado. E ainda torceria com paixão como pelo clube do coração.

Meu pai estava no hospital. Tinha sofrido uma cirurgia no joelho e minha mãe, com aversão a corredores lotados de médicos, estava por lá com relutância naquela manhã. A quem sempre foi vidrado por futebol, acompanhar um brasileiro com chances reais de conquista relevante no tênis era absolutamente inusitado. Mas o tal Guga cativava. Eu ainda nem sabia pronunciar direito e tampouco escrever Kuerten. Até hoje, quando ouço o William Vaack exaltar o sorriso com os caninos salientes para pronunciar um alemão esquisito, fico em dúvida se realmente aprendi. Camisa colorida, faixa, cabelo esvoaçante. Aquele gemido que a gente já imitava com os amigos só para fazer graça e dar alguma conotação sexual, uma bobagem típica de adolescente. Bora lá, Guga.

Àquela altura a maioria de amigos e familiares já conhecia o tenista brasileiro. Era um feito. Em uma época em que internet era luxo, sem celular algum, a gente esperava pelas notícias no rádio ou tv e aguardava o jornal impresso. Pré-histórico, dirá a molecada de hoje. Olha, vocês mal sabem a aventura que era viver naqueles dias, sedento por informações. Dava angústia. Por sorte, passei a acompanhar a trajetória do Guga em Roland Garros mais cedo. Cláudio, amigo que compartilhava o gosto por esportes, estava sempre atento e alertou. Tinha um tal brasileiro indo bem no tênis. Moleque novo. Bateu o Muster, tenista dos bons. E ali na fria manhã da serra, à espera da abertura dos portões do colégio, a gente tinha um ritual de se encontrar e compartilhar informações ouvidas no rádio sobre o Guga.

Geralmente, os horários das partidas esbarravam com as nossas aulas. No recreio, íamos para o pátio e sintonizávamos o radinho de pilha na espera de um boletim salvador. Olha, cara, o Guga passou pelo tal de Kafelnikov. Pega um tal de Dewulf. No domingo, encara o Bruguera, parada dura. Será? Vamos ver no que dá. E fomos nós lendo jornal, aprendendo o que era um Grand Slam, um backhand, um deuce, a tal paralela. “Deixadinha”. Então estou eu, sentado no sofá, ligado na Manchete, assistindo ao Guga aplicar um sonor 3 a 0 e fazer História, de verdade. 20 anos, caras. Um novo ídolo. De outro esporte. Era demais.

E segui acompanhando o Guga e o esporte dali em diante. Sou muito grato. Graças a ele descobri caras como Pete Sampras e Andre Agassi, que me faziam parar diante da televisão. Eu tinha vaga ideia de quem eram ao passar olhos em notícias de esportes. Com o Guga, de fato descobri os monstros que eram. Roland Garros virou um compromisso marcado. Todo meio de ano, aquela atenção ao torneio de tênis. A evolução tecnológica ajudou. Já ali para 1999 sentava com os amigos durante o recreio na sala de informática – nem sei se isso ainda existe em colégios por aí – e acessava o site do torneio para acompanhar os jogos. Cada ponto merecia um F5 que durava uma eternidade. Vez em outra, pedia permissão ao professor para ir ao banheiro e me esgueirava até a sala de informática, ligava o monitor desligado marotamente para manter o site conectado. Ficava até ser descoberto.

A ousadia de Guga nas quadras refletia a minha ansiedade para acompanhá-lo. Em 2000, abandonei algumas aulas e corri para o restaurante árabe a alguns metros para sofrer na semifinal diante do Ferrero. O site de Roland Garros já não era suficiente. Sim, Guga fez com que tivéssemos televisões sintonizadas em jogos de tênis pelas ruas, com gente acompanhando e torcendo. A menos de uma hora da final da épica Masters Cup de 2000, saí correndo da prova de vestibular e fui para a casa dos tios. Comemorei a conquista e a chegada ao topo do ranking como se fosse uma Copa do Mundo. No fundo, era. Guga cativava. Nasceu para ser ídolo, com aquele jeito molecão. Natural.

O tri em 2001 foi acompanhado por lágrimas que deixei escorrer ao fim do jogo. De soluçar. Alegria, mesmo. Talvez alívio depois daquele jogo com o Michael Russel. Valeu mais do que gol em final na prorrogação. A minha derradeira lembrança do Guga em ação é de 2004. Roland Garros, claro. Aquele tie-break com o Nalbandian nas quartas. O pilotis da faculdade estava lotado. Uma multidão em torno de uma tv mínima da lanchonete. Nem em jogos do Flamengo eu tinha visto tanta mobilização. Guga conseguia. A eliminação dura foi recompensada com palmas, a quilômetros e quilômetros de Paris. Guardo com carinho uma réplica da camisa de 97 e a biografia assinada por ele, presentes do amigo Alexandre Cossenza, do Saque e Voleio. Não acompanho tênis com a mesma fome de antes. Mas acompanho. Está ali ao lado da natação como meu esporte favorito, abaixo apenas do futebol. Não à toa esse é o primeiro texto sobre outro esporte aqui no Chute Cruzado. Grande ídolo, o Guga. E tudo começou naquela manhã, cruzando a rua do hospital para casa. Sentado no sofá, assistindo a Manchete. 20 anos.

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