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22 anos depois, uma releitura do Fla-Flu de 95, o nascer de uma lenda do Maracanã

O gol de barriga de Renato Gaúcho sobre o Flamengo em 1995: lenda

Renato desvia de barriga para marcar o gol da vitória tricolor no Maracanã: o nascer de uma lenda

Há clássicos que redefinem a maneira de o torcedor encarar o jogo. Provocam cicatrizes na história de cada um. Transformam relações costuradas no cimento da arquibancada por anos. Fazem acreditar em uma mistura de superstição e destino. Em décadas, o Maracanã ainda ecoará um dos capítulos mais épicos de sua história ocorrido neste 25 de junho de 1995. Com sua gente enlouquecida e de alma lavada pela chuva diante dos fatos. Que mais pareciam fantasia. Geraldinos pulavam. Desconhecidos se abraçavam. Da arquibancada, outros tantos levantavam as mãos aos céus. Até mesmo os de pouca fé. Houve quem voltou correndo da rampa ao sentir o estrondo do gigante. Vibração de almas. Graças a um gol de barriga aos 41 minutos do segundo tempo de quem virou lenda. Depois de nove anos, o Fluminense é o campeão carioca.

O pulsar do Maracanã com mais de 120 mil pessoas indicava um Fla-Flu de proporção bíblica. Daquele para ser contado por gerações. Todos um dia dirão conhecer, afinal, um tricolor ou rubro-negro que passou pelos corredores do estádio neste fim de tarde carioca. Um clássico de voltas e reviravoltas. A vantagem do empate era rubro-negra. Restava ao esquadrão formado por Romário segurar o Fluminense de Renato Gaúcho para celebrar o título em seu centenário. A massa rubro-negra era maior. Mas o urro ao rolar da bola foi uníssono. Todos, ansiosos, sabiam que veriam ali história.

Flu no início: Rogerinho e Aílton pulmões

A eletricidade percorria o estádio e atingiu, em cheio, o time tricolor. Joel Santana escalou o Flu no 4-4-2. Mas foi sagaz. Aílton e Rogerinho, meias em teoria, saiam do centro e atacavam pelos lados para inibir os avanços dos laterais rubro-negros Marcos Adriano e Branco. Muita correria tricolor, incansável. Era, mesmo, de surpreender. Renato, dúvida até dias antes da partida, corria para frente e para trás mesmo em um campo pesado, castigado pela chuva. Parecia um jogo desigual, de talvez 15 contra 11.

O Flamengo, mesmo com o pulsar da arquibancada, estava alheio, sonolento. Também em um 4-4-2, o time de Vanderlei Luxemburgo era presa fácil pelo meio. William não criava e Marquinhos, sozinho, era combatido por Márcio Costa. Fla-Flu ferrenho. Ronald alçou bola na área e Leonardo, de costas, cabeceou. Roger salvou no chão. Estava claro que o Fluminense era melhor e surpreendia com muita velocidade, agredindo o rival. Não demoraria, portanto, a marcar.

Em jogada bem ensaiada, Márcio Costa desarmou William antes do meio de campo e rolou para Aílton, que disparou e tocou para Leonardo, pela esquerda. O atacante segurou a bola e rolou para Rogerinho, já na ponta. A bola cruzada achou Renato Gaúcho na área. Ali começou. O pé direito dominou, o esquerdo, mesmo com o corpo caído, tocou mansamente para a rede. 1 a 0. O estádio veio abaixo. Da arquibancada, o tradicional grito de “queremos raça” da torcida rubro-negra explodiu. Era um recado claro. O Fluminense engolia o Flamengo no Maracanã.

Flamengo no primeiro tempo: engolido

Romário, com dificuldades físicas devido ao joelho esquerdo recém-operado, pouco se movimentava. Sávio, a válvula de escape do Flamengo, era acompanhado de perto por Lima. No meio tricolor, Djair refinava o passe e fazia a bola rolar. De pé em pé. Com tanto espaço, até Márcio Costa avançou. E chutou. Na falha de Roger ao soltar a bola, Renato, rápido, tocou para Leonardo, que completou para o gol vazio. 2 a 0 aos 42 minutos do primeiro tempo. “A bênção, João de Deus!” cantava a arquibancada. Era, mesmo, uma questão de fé. Agora para os dois lados. O Flamengo precisava de um milagre para empatar um jogo no qual era tão inferior.

No segundo tempo, Luxemburgo entendeu que a história lhe permitia atuar como protagonista e tentar interferir em seu rumo. Cabia a ele tentar mudar o panorama. De uma vez só tirou William e Marcos Adriano. Fabinho foi para a lateral direita e Rodrigo Mendes e Mazinho formaram com Marquinhos o trio de meias à frente de Charles Guerreiro. Romário, ansioso, recuou e deixou a área para tentar armar o jogo. A força ofensiva do Flamengo melhorou, o time trocava passes e apertava o rival. Foi todo ao ataque. Branco acertou bola na trave em cobrança de falta. Mas o time estava exposto aos contra-ataques velozes de Aílton e Rogerinho, pulmões do Fluminense. Em seis minutos, no entanto, tudo mudou.

Flu sem dois jogadores no fim

Charles Guerreiro chutou de longe, a bola explodiu em Márcio Costa e se ofereceu a Romário, na área, pela esquerda. Rápido, o Baixinho não deu tempo para reação e bateu de canhota, rasteiro, no fundo da rede de Welerson. Fla-Flu incendiado. Nervoso. Sorlei e Marquinhos, após empurra-empurra, acabaram expulsos. O jogo recomeçou com um a menos de cada lado. O momento era rubro-negro. Mais no coração do que com qualquer organização. Renato, o líder tricolor, voltava até a intermediária defensiva, desarma e dava chutão. Aplaudia, cobrava os companheiros. Parecia imaginar. Craque antevê a jogada. Então Renato viu.

A arquibancada, em maioria rubro-negra, tremia ao mantra de “Meeengo! Meeengo!”. O Fluminense, pela primeira vez, sentiu o clima da decisão. Perdia as rédeas da História. Rodrigo Mendes avançou pelo lado esquerdo e cruzou. A bola viajou e, na entrada da área, encontrou os pés de Fabinho. Em um corte seco, o camisa 7 derrubou três tricolores, levou a redonda para o pé esquerdo e chutou rasteiro. No canto direito de Welerson. As cartas se inverteram. Volta, reviravolta. O Maracanã não cabia mais em si de tanta emoção. Lira se perdeu e, com carrinho criminoso em Fabinho, acabou expulso. Parecia improvável ao Fluminense. Dois jogadores a menos em campo e a minutos do fim. “A bênção, João de Deus”.

Fla sem Marquinhos, expulso

Então o clássico redefiniu a relação de todos com o jogo. Pessimistas se tornaram otimistas. Otimistas temeram o pior. Aílton disparou pela direita. Charles Guerreiro em seu encalço. Renato, faixa na cabeça, observava tudo. Craque antevê jogada. Predestinado tem a certeza de que vai executá-la. Então o meia tricolor fez bailar todos olhares do Maracanã. Uma jogada que já havia ensaiado algumas vezes no segundo tempo. Um corte para a esquerda. Charles saltou. Um passo para a História. Um corte para a direita. Charles ficou. Últimas linhas traçadas. O Maracanã congelou o tempo. Fôlegos presos. Olhos agora arregalados. O chute cruzado passou por toda a área e encontrou a barriga de Renato Portaluppi. Um desvio para a rede que fechou um dos mais épicos capítulos da história do estádio. Da história do clássico. Um Fla-Flu bíblico. Que vai ser recontado por gerações. Não houve futebol no Maracanã. Houve, sim, o nascer de uma lenda.

FICHA TÉCNICA:
FLUMINENSE 3X2 FLAMENGO

Local: Maracanã
Data: 25 de junho de 1995
Horário: 16h
Árbitro: Léo Feldman
Público e renda: 109.204 pagantes / 120.418 presentes / R$ 1.621.850,00
Cartões amarelos: Charles, Marcos Adriano, Branco e Jorge Luís (FLA), Renato Gaúcho, Márcio Costa e Rogerinho (FLU)
Cartões vermelhos: Marquinhos (FLA) e Sorlei (FLU), aos 27 minutos, Lira (FLU), aos 34 minutos e Lima (FLU), aos 45 minutos do segundo tempo
Gols: Renato Gaúcho (FLU), aos 30 minutos e Leonardo (FLU), aos 42 minutos do primeiro tempo; Romário (FLA), aos 26 minutos, Fabinho (FLA), aos 32 minutos e Renato Gaúcho (FLU), aos 41 minutos do segundo tempo

FLUMINENSE: Welerson; Ronald, Lima, Solrie e Lira; Márcio Costa, Djair, Aílton e Rogerinho (Ézio, 33’/2T); Renato Gaúcho e Leonardo (Cadu, 30’/2T)
Técnico: Joel Santana

FLAMENGO: Roger; Marcos Adriano (Rodrigo Mendes / Intervalo), Gelson, Jorge Luís e Branco; Charles Guerreiro, Fabinho, Marquinhos e William (Mazinho / Intervalo); Sávio e Romário
Técnico: Vanderlei Luxemburgo

  • Mauro Sousa

    O mais legal na foto que ilustra o post não é o Renato fazendo o gol de barriga (e me fazendo chorar, rs). São os dois times de calções brancos! Hoje, quando a iluminação dos estádios é melhor e as tvs tem alta resolução, não permitem mais isso. Não faz sentido….