

(Gilvan de Souza / Flamengo)
É difícil reviver sonhos. Experiências únicas, quase utópicas, que repousam eternamente na memória. Podem ser afagos para momentos difíceis. Encharcar a memória com flashes de algo mágico. O Flamengo de 2025 ousou reviver o seu. Ser campeão da Libertadores e, logo em seguida, brasileiro. Um tetra continental seguido de um enea nacional. Uma soberania dificilmente vista. Vivida. Apreciada. Sentida. Sonhada. Não há vírgula ou asterisco que ponha em xeque uma campanha de liderança em todos os quesitos. De novo, o Flamengo revisitou o sonho.
Bastava para isso uma vitória. Uma simples vitória. Parecia fácil para quem já tinha colecionado outras 22 em todo o campeonato. Mas o Ceará, do outro lado, briga ainda contra o descenso. O Flamengo brigava contra si. Contra qualquer exagero em comemoração do tetra da América. Contra a ansiedade de dar o campeonato logo por encerrado. Não haveria como poupar jogador, alternar fórmulas. O Flamengo, há tempos, está pronto. Montado por Filipe Luís ao longo do último ano com a delicadeza de um escultor renascentista. Tudo parece se encaixar, as peças entendem os movimentos. Os substitutos compreendem as exatas funções ao entrar em campo.
Há quem diga que é um 4-2-3-1. Para este autor é um 4-4-2. São números de telefone, lembra insistentemente Guardiola em seu livro. Mas fato é que Filipe organizou o Flamengo para dar voz e protagonismo a Arrascaeta. Não é mais o meia que caía da esquerda ao centro no ano dourado de 2019. Tampouco o meia por trás dos atacantes no tri da Libertadores. Nem camisa 14 mais é. É 10. Nota dez. Diz-se que Filipe é discípulo direto de Jorge Jesus. Bebeu da fonte do mestre para adaptar ao seu estilo. Pois já no início de 2020 Arrascaeta aparecia como um segundo atacante, uma sacada do português que revolucionou o futebol por essas bandas. Filipe assim o fez. Arrascaeta é o segundo atacante, logo ao lado do centroavante. Perto do gol. Mais fácil para finalizar. Menos a se desgastar.
Mais maduro, capaz de compreender as limitações do corpo e da mente, o uruguaio colecionou 18 gols no Brasileiro. Fez tudo girar, especialmente após a luxuosa companhia de Jorginho. Volante capaz de controlar o meio-de-campo como poucos. Ah, pois sim: o Flamengo entrou desta maneira no Maracanã. Um 4-4-2 para enfrentar um Ceará que indicaria um 4-3-3, mas, na verdade, era um 4-5-1. Ferrolho mesmo para encarar o time mais ofensivo do campeonato, invicto em seus domínios. Léo Condé admitia a superioridade. Sabia que como os outros 19 times do campeonato não teria a posse de bola. Tentou, portanto, negar espaços como virou costume dizer. Se houve derrapadas no mental, na técnica e na tática – como contra Fortaleza, Santos, Fluminense – desta vez o Flamengo estava inteiro entregue ao jogo. Poderia até alternar bola de lado a outro, mas buscava as infiltrações na área, um passe mais vertical. O drible com Samuel Lino.
Difícil jogar com a ansiedade de uma massa de 75 mil pessoas na arquibancada ávida pelo gol, pelo momento de soltar mais um grito de campeão. Pois o Flamengo tentou equilibrar a ansiedade e dar pitadas de racionalidade. Assim, no finzinho do primeiro tempo, Carrascal saiu da direita à esquerda, achou Lino e Jorginho, brilhante, deu um passe sem tocar na bola. O gol explodiu não só o estádio, mas tantas vozes espalhadas no mundo. Revisitar o ano mágico, ter de novo o gosto de duas conquistas tão impactantes num prazo de dias. Tornar o épico quase comum. O Flamengo assim o fez. De novo. Libertadores, Brasileiro, Carioca. E Supercopa.
Há espaço e qualidade para mais. Quem sabe o mundo de novo. Mas aos poucos o Flamengo apenas engrandece a sua História com símbolos que tornaram o ato de levantar trofeus uma rotina. Arrascaeta e Bruno Henrique com 17 títulos. Filipe Luís com 15 entre jogador e técnico. Estende o quanto pode o período dourado e forja novos ídolos. Abraça quem o deseja e ignora quem o abandona. Pela nona vez, a terceira com essa geração, o Flamengo subiu ao lugar mais alto do Campeonato Brasileiro e por lá permaneceu. Dias após a segunda glória de Lima. Os rubro-negros ousaram em revisitar o maior dos sonhos. Conseguiram. E são eneacampeões com a certeza: viver é melhor do que sonhar.
FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 1X0 CEARÁ
Data: 3 de dezembro de 2025
Local: Maracanã
Árbitro: Rodrigo Pereira de Lima (PE)
VAR: Emerson de Almeida Ferreira (MG)
Acréscimos: 2’/1T e 3’/2T
Público e renda: 66.785 pagantes / 73.244 presentes / R$ 4.950.770,00
Cartões amarelos: –
Gol: Samuel Lino (FLA), aos 37 minutos do segundo tempo
FLAMENGO: Rossi, Varela, Danilo, Léo Pereira e Alex Sandro; Pulgar, Jorginho (De La Cruz, 40’/2T), Samuel Lino (Everton Cebolinha, 17’/2T) e Carrascal (Luiz Araújo, 30’/2T); Arrascaeta (Plata, 17’/2T) e Bruno Henrique (Saúl, 40’/2T)
Técnico: Filipe Luís
CEARÁ: Bruno Ferreira, Fabiano Souza (Marllon, 37’/2T), Marcos Vitor, Éder e Rafael Ramos; Fernando Sobral (Lourenço, 23’/2T), Dieguinho (Lucas Mugni, 23’/2T), Vinicius Zanocelo (Vina, 37’/2T), Galeano, Paulo Baya (Fernandinho / Intervalo) e Pedro Raul
Técnico: Léo Condé