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Abel e a transição da alma no Flamengo

Abel Braga Maracanã 2017

Abel Braga no Fluminense x Vasco, Carioca 2017

O torcer do nariz de grande parte dos rubro-negros em redes sociais diante do anúncio oficial de Abel Braga pelo presidente eleito do Flamengo, Rodolfo Landim, é considerável. A rejeição conta com ingredientes como a identificação com o Fluminense, a lembrança amarga da derrota para o Santo André em 2004. Compreensível. E tantos outros apontam o estilo do treinador como uma enorme pedra no sapato para que sua chegada ao Ninho do Urubu seja aprovada. Contestável. Ocorre que a segunda passagem de Abel Carlos da Silva Braga pelo Flamengo pode ter um ingrediente importante ao futebol do clube: a transição da alma.

É notório que a gestão do futebol rubro-negro pecou ao permitir o aflorar de uma mentalidade um tanto quanto resignada em últimos anos. Mesmo com toda estrutura, salários em dia, jogadores de boa técnica, o Flamengo falhou em momentos decisivos. Mentalmente foi derrotado por rivais. Ao desembarcar no Fluminense no fim de 2016, Abel teve missão parecida. Reviver a alma de uma equipe que caminhava com indiferença entre derrotas e vitórias. Nesse quesito, teve êxito. O seu Tricolor foi sempre aguerrido, competitivo, principalmente em 2017. Com alma. Não é ingrediente desprezível no futebol. Ao contrário. Mas Abel encontrou limitações em uma Laranjeiras em constantes crises financeira e política, com elenco limitado. No Ninho do Urubu será o contrário. Em um primeiro momento, sua grande contribuição deverá ser exatamente a transição de alma. Reviver um futebol que parece pouco pulsante. Ou, como diz a moda, sanguíneo. Será muito. Mas não o bastante.

É compreensível a crítica de que Abel tem estilo diferente do implementado no jogo rubro-negro com os últimos técnicos. Zé Ricardo, Reinaldo Rueda, Paulo César Carpegiani, Mauricio Barbieri e Dorival Júnior prezavam, todos, por um jogo de imposição por posse de bola, aproximação, utilização vasta dos meias, um jogo por dentro. O momento rubro-negro, no entanto, exige mudança. Não profunda, com marco zero. Mas uma mudança. Abel pode encarnar essa transição. Não há, claro, motivos para desespero. Afinal, o Flamengo não é o Barcelona, com um estilo vitorioso de jogo implementado há mais de 30 anos. E não existe apenas uma maneira de jogar futebol. Tampouco o estilo de Abelão é antagônico ao gosto ofensivo da arquibancada rubro-negra.

Esqueça o adjetivo de retranqueiro, mais uma confusão com o homem Abel Braga e seu jeitão imponente e sua maneira de montar equipes. Em seu mais recente trabalho, iniciou a trajetória no Fluminense com um 4-3-3, com Richarlison e Wellington Silva abertos nas pontas, Henrique Dourado, novamente seu comandado no Ninho, como centroavante. Velocidade e ataques fulminantes, com vasta troca de posições, utilizando sempre o ritmo ditado por Sornoza ou os avanços de Wendel. Enquanto teve condições, Abel cumpriu bom papel no Fluminense.

Tornou o time o mais ofensivo do futebol brasileiro. Utilizava demais os lados do campo, em franca velocidade. Alternou ao 4-2-3-1. Mas encarou problemas. Além de sua tragédia pessoal, um baque a qualquer um. Perdeu Sornoza e Scarpa, cada um, por dois meses devido a lesões. Mais tarde, Richarlison acabou negociado com o Watford. O cobertor curto diminuiu o poderio ofensivo da equipe e expôs falhas no trabalho de Abel: a defesa foi muito instável. Da mesma maneira que preocupava os rivais com ataques tão fulminantes, o time por vezes se mostrou espaçado, com pedaços generosos do campo para ataques rivais. Um problema que Abel tentou corrigir em 2018 com o sistema de três zagueiros, um 3-4-3. Esgotado, não conseguiu repetir nem mesmo o bom desempenho ofensivo de 2017. Ainda mais enfraquecido com a crise financeira, o Fluminense praticamente não contou com reforços relevantes. Teve Gilberto na ala direita e descobriu entre seus garotos Ayrton Lucas na esquerda. Mas perdeu Scarpa, Henrique, Dourado, Cavalieri e Wendel. Sem ovos, Abel não resistiu e com atuações muito fracas o Fluminense passou por vexames como a eliminação para o Avaí na Copa do Brasil. Havia um esgotamento claro. E o saldo dos números foi ruim: em um ano e meio, 109 jogos, com 43 vitórias, 29 empates e 37 derrotas.

Ao menos nas sinalizações já dadas em entrevistas ou nos bastidores, Abel parece renovado e disposto a se dedicar de corpo e alma a seu novo projeto no Flamengo. Tem ciência da rejeição existente e parece nutrir um sentimento de dívida com a derrota mais vexaminosa da história rubro-negra, em um Maracanã lotado diante do Santo André. Lá se vão mais de 14 anos. E a indignação com a derrota de Abel parece intacta. Um sentimento a ser retomado no Ninho do Urubu. O técnico mantém o estilo de imposição no vestiário, da fala grossa. E sabe o linguajar boleiro. Veste a camisa, grita, berra, aponta aos céus. Abelão, antes de tudo, vive o futebol. Não deixa baixar a guarda. Tem alma. O Flamengo de Rodolfo Landim indica uma quebra do perfil de gestão do futebol. Natural que procure um perfil distinto de seu comandante. O sarrafo está alto. A cobrança será instantânea. O nariz continua torcido. O Flamengo, além de vibrante, terá de jogar bem, rumo ao gol rival. Agressivo. Mas a escolha do Flamengo por Abel, neste momento, parece fazer todo sentido. O clube tem urgência por conquistas. Algo que não se consegue sem um time bem montado. E muito menos sem alma.

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