Pará Independiente final Copa Sul-Americana 2017
Frágil e agressivo, Flamengo erra a passada, mas volta ao Maracanã com decisão aberta
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Caos, frustração e tragédia: a primeira final entre Fla e Independiente no Maracanã

 

Mais de duas décadas atrás, o Maracanã recebeu sua primeira final sul-americana entre Flamengo e Independiente. Uma noite quente em 6 de dezembro de 1995 que entrou para a História rubro-negra com portões abertos, tragédia e espalhou frustração ao confirmar a ausência de títulos no ano do centenário. Um jogo que o Flamengo de Romário venceu, mas não levou a Supercopa diante de um Maracanã abarrotado por, estima-se, quase 120 mil pessoas. Um gosto amargo que perdura na lembrança dos rubro-negros.

O ano do centenário, afinal, não seguia o roteiro prometido. Eleito para presidir o clube em data tão simbólica, o ex-radialista Kleber Leite inflou o ego do torcedor rubro-negro com um projeto que por si só tinha ares de megalomania: contratar Romário, então melhor jogador do mundo e campeão da Copa de 94 meses antes, junto ao Barcelona. Conversa daqui, acerta de lá e um pool de empresas – com a cervejaria Brahma e o Grupo Multiplan, responsável pelo Barra Shopping, por exemplo – conseguiu atingir os 4,5 milhões de dólares pedidos pelo Barcelona. Em janeiro, Romário chegou e vestiu a camisa 11. O projeto ainda ganhou nomes como o técnico Vanderlei Luxemburgo, então bicampeão brasileiro pelo Palmeiras, e os tetracampeões Ronaldão e Branco. O Flamengo seria imbatível. Mas não foi.

Já no primeiro semestre a barriga de Renato Gaúcho colocara água no chope rubro-negro no Fla-Flu decisivo do Campeonato Carioca. O Flamengo pareceu inconformado com o insucesso. Num arroubo, mudou muito. Luxemburgo foi demitido. Romário ganhou ainda mais poderes. Edmundo foi contratado junto ao Palmeiras por cinco milhões de dólares no famoso caso do Consórcio Plaza. Na Copa do Brasil, o time caiu na semifinal diante do Grêmio de Felipão. No Brasileiro, amargava nas posições da rabeira. A Supercopa da Libertadores seria a tábua de salvação. E, de fato, o time ali caminhava bem.

Passou, por exemplo, por Vélez Sarfield na primeira fase, Nacional, do Uruguai, nas quartas de final e Cruzeiro na semifinal. Chegou confiante à final em Avellaneda contra o Independiente. Era claramente o favorito. Não contava, porém, que teria um desfalque inesperado: Edmundo se envolveu em um acidente que provocou a morte de duas pessoas na Lagoa Rodrigo de Freitas e ficou impossibilitado de jogar. Romário ainda se recuperava de um estiramento na coxa esquerda e fazia tratamento intensivo com o fisioterapeuta, Nilton Petrone.

Diante de tantas pressões, Kleber Leite já havia acionado seu botão de emergência para tentar salvar seu projeto. Indicou o então comentarista da Rádio Globo Washington Rodrigues, o Apolinho, para ser técnico do time na reta final da temporada. Ele aceitou, confiante que poderia domar os geniosos Romário e Edmundo. Em Avellaneda, porém, um gol sofrido ao 40 segundos, de Mazzoni, fez o time desmanchar. O placar de 2 a 0, com o lateral Domizi, acirrou ânimos. Vice-presidente de relações externas da gestão anterior, de Luiz Augusto Veloso, Carlos Eduardo Peixoto decidiu provocar o atacante Sávio, ao dizer para Romário, na porta do hotel no qual a concentração que ele não tinha culpa, já que “jogava sem um companheiro ao seu lado”. Sávio retrucou e o diálogo, de acordo com o jornal O Globo, seguiu de fora áspera:

“Você precisa me respeitar!”, disse Sávio.

“Veja se corre mais no Maracanã”, devolveu Peixoto.

“Você quer jogar no meu lugar?”, insistiu Sávio.

“Você é pipoqueiro, é pipoqueiro sim!”, gritou Peixoto.

No hotel, Sávio foi defendido pelos jogadores e o clima ficou pesado. Apolinho, por sua vez, tentou colocar panos quentes e mostrar confiança:

“Já vi o Flamengo precisar vencer o Bangu por 8 a 0 e fazer oito gols. Marcar três não é difícil”, disse o técnico.

Mas até mesmo devolver os 2 a 0 seria complicado.

Caos, portões abertos, morte e barbárie com a frustração

O Flamengo voltou ao Rio de Janeiro amuado. O clima, de fato, era ruim. Especulações já cercavam a Gávea: Romário era pretendido por dois clubes espanhois: Sevilla e Salamanca, que pretendiam pagar os mesmos 4,5 milhões de dólares pelo jogador. Ainda haveria um clube japonês na disputa, disposto a dar dez milhões de dólares pelo Baixinho. César Luís Menotti, técnico campeão mundial pela Argentina em 1978, seria o novo comandante para 1996. O Flamengo falava de novo do futuro sem pensar no presente.

Disposto a lotar o Maracanã e ter a torcida para pressionar o Independiente, a diretoria rubro-negra diminuiu o preço dos ingressos: a geral custaria R$ 2, arquibancada e cadeira comum, R$ 10; cadeira especial, R$ 35. Sem transmissão na televisão, o entorno do Maracanã ferveu naquela noite quente de 6 de dezembro de 1995. As bilheterias estavam abarrotadas. Ingressos para a última chance de o Flamengo ser campeão no centenário eram objetos raros. Com a massa enfurecida houve a decisão de abrir os portões. Um erro. A notícia se espalhou rapidamente no entorno do estádio.

“Arrombaram os portões, arrombaram os portões! Abriu, abriu!”, gritavam torcedores ao redor do estádio.

No estouro da manda, a correria por um lugar na arquibancada resultou em tragédia. Uma torcedora, Nilber Nascimento, caiu e foi pisoteada por centenas de pessoas. Levada ao Hospital Souza Aguiar, ela não resistiu e morreu diante dos ferimentos. Dentro do estádio, relatos de falta de espaço. Espremidos, os rubro-negros acompanharam o time de Apolinho na tentativa ao menos devolver o placar e levar a decisão para os pênaltis. Nélio, meia, foi escalado como lateral-direito. No segundo tempo, a tática kamikaze de Washington fez Cláudio, um zagueiro, ser sacado para a entrar de Aloísio Chulapa ainda em início de carreira. O Flamengo pressionou e conseguiu um gol com Romário, que fez a arquibancada chacoalhar de maneira impressionante na comemoração. E ficou por aí. 1 a 0, Independiente campeão.

Na saída, o relatos foram de barbárie. Enfurecidos, vário torcedores quebraram portões e roletas do estádio. Carro foram roubados e arrombados, com ônibus depredado. Arrastões aconteceram no entorno do estádio. A Suderj decidiu não divulgar público e renda da partida. Estima-se que 120 mil torcedores estiveram no Maracanã para acompanhar o Flamengo. Frustrado, Apolinho se despediu do Flamengo. Rouco, não conseguiu falar durante a preleção antes do jogo.

“Chamei o Márcio Costa para me representar. Os jogadores aplaudiram, riram muito. Estavam todos contentes, parecia que tudo ia dar certo”, disse ao jornal O Globo.

Não deu. A primeira decisão sul-americana entre Flamengo e Independiente no Maracanã terminou de forma trágica. Uma página da História que todo rubro-negro gostaria de esquecer.

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