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Como começou, como terminou, campinhos e guerra

Vez e outra encontro com velhos amigos dos bons tempos de redação do LANCE! e gargalhamos com algumas histórias. É meio aquilo que sempre nos avisavam quando éramos bem jovens e cheios de aspirações: somos, no fim, todos parecidos. Vamos envelhecendo e contando as histórias de sempre, rindo de nós mesmos. Nos papos, um dos causos que sempre vem à baila é daquele dia no qual, com fechamento apertado após um jogo da noite em meio de semana, o então editor do jornal, Eduardo Tironi, levantou do mesão e berrou para toda a redação, num misto de cobrança e angústia:

“Cadê o campinho?!”

A uns três metros dele um repórter se levantou assustado, olhos esbugalhados, e temeu pelo pior. Era Antônio Campinho, repórter novato da editoria de futebol internacional. Diziam ser um garoto de muita fé, devoto de Nossa Senhora Aparecida e, outros garantem, se benzeu umas cinco vezes ao ver o editor, na ânsia do fechamento, berrar seu sobrenome. Mas Tironi cobrava do reportariado os campinhos. Não o Campinho. Gargalhada geral com a confusão desfeita, algum outro repórter correu no rapaz da arte, fez os campinhos como os reproduzidos aí em cima e tudo se amansou. Era praxe após os jogos: um quadro chamado “Como começou, como terminou” no qual desenhávamos a postura tática do time no início do jogo e no fim. Isso mais de dez anos atrás.

Lembrei do episódio quando li o ótimo texto de Lúcio de Castro na Agência Sportlight. Mais um entre um bom punhado de outros que contestam os excessos na utilização de termos extremamente técnicos ao abordar a tática no futebol. O tatiquês. A polêmica, como sempre, ganhou corpo nas redes sociais. Respostas raivosas, ironias finas ou nem tanto, batidas no peito e veias saltando cumpriram o roteiro. Reações que já vivenciei na primeira vez em que critiquei o excesso de tatiquês em um texto no Esporte Final, há quase dois anos. Ano passado, aqui mesmo no Chute Cruzado, voltei ao tema. Mas continuo espantado.

Em uma das tantas respostas endereçadas ao texto de Lúcio de Castro, sempre sem citá-lo, um rapaz falou em “guerra”. Assim, como se fosse líder de um grupo, declarou um “combate com ou sem armas; peleja, conflito”, como diz qualquer dicionário sobre o verbete. Está aí a enorme contradição: alguém que se propõe participar de algo que acredita ser revolucionário é, ao mesmo tempo, tão conservador e retrógrado ao falar em guerra. Lado A, lado B. Como se o debate sobre a questão não pudesse ser saudável, contribuir para o melhor exercício da profissão. Antes, porém, é bom determinar qual é o verdadeiro ofício de cada um.

O analista tático é personagem-chave no futebol atual. Jogos são estudados exaustivamente, estratégias criadas, estatísticas debatidas. Em seu nicho, o tatiquês é mais do que válido. Jogador terminal, jogo apoiado, pressão ao portador, linha alta, pequenas sociedades. Tudo isso será compreendido entre os seus. Mas quem se propõe a se comunicar com a massa, principalmente na televisão, deve lembrar qual a sua função. Entre dez pessoas do outro lado, se três não entenderem a mensagem seria desastroso. 30%. É uma estimativa baixa até e ainda assim um número ruim para quem deve se fazer claro. Não há guerra. Há abertura de um debate, sistematicamente negado por quem defende as expressões táticas e se incomoda com o termo “tatiquês”, algo tão comum quanto juridiquês, utilizado há anos.

O jornalista esportivo especializado em futebol tem a obrigação de saber analisar um jogo taticamente, ainda que de forma mínima. Pode errar aqui, acertar ali. Mas sempre buscar entender o que acontece em campo. A argumentação blasé e rasa de que a crítica ao tatiquês é um “combate de preguiçosos contra o conhecimento”, como já li por aí, é sem sentido. Pois o jornalista esportivo acumula anos de sola de sapato gasta em treinos, competições, coletivas, compreende panoramas de diretorias, jogadores e empresários. Entende que A influencia em B, mas a recíproca pode não ser verdadeira. E analisa jogos, entende que a tática passa também pelo comportamento humano. É um pacote. Com o acúmulo de conhecimento ao longo dos anos. Não saiu diretamente da faculdade para um estúdio. Vivenciou. Teve experiência.

Entendo que a comunidade tática se irrite um pouco com as críticas. Já ouvi de outros jornalistas a conversa surrada de que “campo e bola qualquer um faz”. Não, não faz. Deve se preparar, acompanhar jogos. Noto desde o fatídico 7×1 uma mudança nesse sentido entre os jornalistas esportivos brasileiros. Muita gente passou a acompanhar ainda mais a tática, o desenrolar do jogo ali em campo. Falo por experiência própria. Adorava fazer os campinhos no LANCE! há mais de década, ler a prancheta do PVC, entender melhor o jogo, compreender os treinos. E acelerei o processo com a aparição de bons nomes que falam sobre tática. Já tive com ele alguns entreveros que felizmente ficaram no passado e curto bastante o André Rocha, no UOL. Cá no meu cantinho, neste Chute Cruzado, tento escrever o que muita vezes não pude em redações: analisar o jogo com calma, sem necessidade de fôrma de bolo e tamanho de texto estipulado, com o pensar cerceado. E acrescento pitadas com alguns campinhos, entendimento do panorama, algumas informações pescadas sobre bastidores de clubes.

É necessário o debate, caro analista tático, não a guerra proposta. Sem revolucionários ou doutores do saber. Devemos, sim, nos comunicar melhor. Fazer-nos claros. Por quê raios direi jogo reativo se posso manter o bom e velho contra-ataque? Qual o sentido de arriscar um pomposo jogador terminal se posso escrever ou falar apenas finalizador? Podemos assimilar uma linha de quatro e recomposição, termos até de fácil compreensão. Uma pitada do novo, adaptação ao velho. Humildemente, paremos para ouvir quem engrossa a fila e faz do jornalismo mais do que o ofício. Uma vida. Lúcio de Castro é assim. Tem no currículo recente o “Dossie Vôlei” e “Memórias de Chumbo”, obras-primas. Carrega também anos em frente à tela, analisando futebol, comentando e abrindo diálogo com a massa. Jornalista. Defensor de mesas redondas sem palhaçadas ou fantasias. Com divulgação de conhecimento. Mas para isso, sempre, o princípio básico é ser claro. É este o debate.

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