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Do inferno ao paraíso: Flamengo vive bela noite no Maracanã e não dá chance ao Galo

Flamengo fumação Copa do Brasil 2022 Atlético-MG

(Flamengo / Divulgação)

Arrascaeta Flamengo Atlético-MG gol Copa do Brasil 2022

(Flamengo / Divulgação)

A fumaça rubro-negra invade o ar e abafa o ambiente a ponto de tornar quase impossível diferenciar o que é campo e o que é arquibancada. Materializa a sinergia ao confundir a visão que tenta atravessar a névoa já predominantemente vermelha. Não se sabe de longa distância quem é jogador, quem é torcedor. A vibração uníssona indica um mesmo dialeto. Mengo. Mengo. Mengo. O Maracanã treme com a expectativa. Vibra de ansiedade. A neblina se dissipa. A massa exibe a sua mensagem, uma resposta à convocação do ídolo. “Bem-vindo ao inferno”. Linguagem da bola. Linguagem que conecta arquibancada e campo, agora já bem fáceis de diferenciar com a fumaça longe. O caldeirão está feito. Pulsa. Ferve. É mesmo um inferno. Capaz de explodir duas vezes com bolas choradas ao ultrapassar a linha do gol e dar ao Flamengo e sua gente a mais bela das noites na retomada pós-vacinas da pandemia. Desde 2019 a comunhão entre campo e arquibancada não se fazia tão presente.

É impossível traçar linhas sobre a classificação do Flamengo na Copa do Brasil diante do Atlético Mineiro sem abordar logo de cara a atmosfera do Maracanã. Há méritos táticos de Dorival Júnior. Há vitalidade de João Gomes. Há simplicidade e técnica de Pedro. Há firmeza de David Luiz. Há classe de Filipe Luís. Há genialidade, claro, de Arrascaeta. Mas há, também, a conexão inerente de Gabigol com a arquibancada. Bastou uma palavra. “Inferno”. A pilha reverberada ao máximo pela diretoria atleticana encaixou como uma luva. Torcedor em campo, o Camisa 9 sabia que funcionaria. Encarna perfeitamente a massa. É debochado, se irrita, explode. Provoca. Vibra. Entende o sentimento de quem ocupa o que um dia já foi cimento. Como tocá-lo. E como foi tocado cada coração rubro-negro que arrebatou o Maracanã para sacudir o Galo, que sucumbiu.

Não se trata de um adversário que simplesmente abraçou a vantagem do empate e abdicou de jogar. O Atlético Mineiro, atual campeão brasileiro e da Copa do Brasil, não conseguiu jogar. Pois o Flamengo recuperou algo que há muito havia perdido. Não que tenha sido a melhor atuação desde os tempos de Jorge Jesus. Há um belo exagero em quem abraça tal tese. Sob o comando de Rogério Ceni a equipe teve grandes jogos, especialmente diante do Palmeiras, rival à altura. Mas a atitude de ser um predador agressivo, pronto para devorar a presa em seus domínios de fato não era vista dessa maneira desde os tempos nos quais o Mister estava na beira do campo. Quem estava ali era Dorival Júnior. Mais calmo, comedido. E com um time no 4-3-1-2, o seu famoso losango no meio. Thiago Maia mais recuado, invariavelmente a fazer a saída entre David Luiz e Léo Pereira. Mais à frente João Gomes pela esquerda, sempre com boa proteção a Filipe Luís, e Everton Ribeiro à direita, com obrigações defensivas, mas liberdade para passear pelo campo. Direita, centro, área. Bailar. Um Ribeiro feliz, solto.

Flamengo com o losango de Dorival, pressão à frente e Ribeiro livre

O Camisa 7 geralmente é vítima de uma sucessão de torcedores mal acostumados ao ser acusado de ausência de característica decisiva. Pois é ele que dá – e deu frequentemente desde 2017 – o ritmo ao time. Acelera, pausa, conduz e risca entre os adversários. Ajuda demais ao funcionamento coletivo. Fez tudo isso pela direita, lado esquerdo do Galo. O Atlético de Turco Mohamed parecia desejar entrar em campo em um 4-2-3-1, Ademir à direita, Zaracho à esquerda, Nacho mais centralizado, Hulk à frente. Mas pressionado e recuado, formava um 4-4-2 com Hulk e Nacho mais à frente, Zaracho e Ademir pelos lados, com Allan e Jair por dentro. Allan ainda se posicionava entre os zagueiros para fazer a saída. Mas a dificuldade era enorme. O Flamengo pressionava. O Flamengo mordia. Pedro, Gabigol, Arrascaeta. Thiago Maia por vezes afundava por dentro para pressionar a saída. Arana mal tinha espaço. E tome bola longa à frente para tentar Hulk.

Mas era, ao contrário dos confrontos anteriores com o próprio Galo em 2022, um Flamengo seguro defensivamente. Com Léo Pereira e especialmente com David Luiz. Mais protegido, sem combates diretos, o veterano se preocupou quase que exclusivamente em anular Hulk, companheiro dos tempos de Vitória. David marcava de perto o artilheiro atleticano, com chegadas firmes, antecipações. Hulk não respirou. Reclamava de faltas ou, desanimado, balançava a cabeça negativamente. Mal tinha o domínio da bola. Não a recebia em mínimas condições. O Flamengo sufocava. A arquibancada não parava. Era mesmo um inferno. Que empurrava, impulsionava. E pela direita vinha o Avión.

Atlético no início da partida, Zaracho e Ademir pelos lados

Assim Rodinei foi chamado por Vidal na goleada de 7 a 1 contra o Tolima. A potência física, a facilidade em disparar pelo lado do campo impressionou o chileno. Diante de um Zaracho ainda retornando de longo período parado e com o auxílio de Everton Ribeiro, Rodinei era preocupação extra para segurar Arana no campo defensivo. O lateral rubro-negro cansou de buscar o fundo. O Flamengo atacava em bloco e utiliza muito o lado direito. E voltemos, então, a Everton Ribeiro. Acelera, pausa, gira. Com os simples movimentos o Camisa 7 enganava a marcação atleticana e possibilitava aos companheiros mais à frente uma movimentação mais aguçada. Arrascaeta, Pedro, Gabigol. Todos à área. Todos a confundir os zagueiros do Galo.

Não foram poucas as vezes nas quais Everton acionou Rodinei ou ameaçou tocar no lateral e, em vez disso, achou alguém em passe bem agudo na área. Numa delas, Arrascaeta recebeu, limpou duas vezes e chutou forte, mas Everson conseguiu fazer a defesa que fez a massa suspirar. O Atlético Mineiro parecia não ter soluções para sair do que se apresentava no Maracanã. Da arquibancada, os urros de uma nação que correspondia ao chamado. No campo, o time que respondia aos urros da arquibancada e ocupava cada palmo. Cada segunda bola era rubro-negra, um jogo quase monotemático. Agradável aos cariocas, desesperador aos mineiros. No máximo bola longa do Atlético e já retomada do Flamengo, com Thiago Maia a Filipe Luís, que voltava a um dos zagueiros e o jogo girava de um lado a outro.

Quando o primeiro tempo parecia frustrar a arquibancada sem gols, a superioridade em campo se traduziu em gol. À moda Flamengo da noite. Infernal. Competitivo. Recuperação de bola no meio, Pedro disputa com Allan, arranca e serve Arrascaeta, que dispara e já em queda bate na saída de Everson. Como se cruzasse para Gabigol em Lima. No chão. A bola rola mansa. O estádio prende o fôlego. Ela cruza a linha e liberta o urro uníssono. De novo, campo e arquibancada são um só. Impossível diferenciar, de longe, quem é quem. Jogador, torcedor. O Galo protesta sobre falta inexistente. Em vão. O Flamengo desceu para o vestiário como minimamente pretendia. Pulsante. Vibrante. E com vantagem mínima no placar. 1 a 0.

O confronto enfim era igual. Mas nos números. A rigor o Flamengo já tinha vantagem em todo o restante. Na atmosfera. Mental. Físico. Competitividade. Turco Mohamed adiantou o Atlético no segundo tempo, com a necessidade de buscar ao menos um gol. Tentou explorar justamente o lado direito do Flamengo que tanto lhe causava problemas. Arana, mais da intermediária, algumas vezes tentou cruzamentos à área. Em uma vez acionou Nacho por baixo, que deu cruzamento rasteiro a Hulk. Foi a única vez que o atacante teve oportunidade de finalizar. Mas chutou mal, por cima do gol. E o Flamengo, do outro lado, continuava intenso. Competitivo. A pressionar o Atlético na saída de bola. Com Arrascaeta na ponta do losango. Com Gabigol e Pedro mais à frente.

Dorival Júnior, mansamente, resolve a questão que tanto atormentou técnicos anteriores. Sim, teve ajuda indireta de uma infelicidade da bola, a lesão de Bruno Henrique. Mas bancou o ajuste. Lá estão Gabigol e Pedro funcionando. E em um detalhe mais interessante: um Gabigol em campo desprovido de vaidade, caindo facilmente à direita, por vezes mais recuado, sorridente, parecendo até mais leve por vezes. Indica gostar do seu jogo mesmo em função diferente da que tinha anteriormente. Pedro é o goleador de maior referência, mas é também o facilitador de jogadas. Técnica apurada, domínio, passe, finalização. E os dois dispostos a pressionar o rival. Tal qual a arquibancada. Tornar a vida do Atlético um inferno. Junior Alonso tentou sair para o jogo pela esquerda. Arriscou. Perdeu a bola para Pedro e teve de segurar o atacante. Amarelo que custaria caro depois. Falta que custaria ainda mais caro. Cobrança de Everton Ribeiro, desvio de Pedro e toque de Arrascaeta na segunda trave. Everson defende já dentro. O árbitro e o bandeira dão o gol, o VAR avaliza. O Maracanã explode de novo. 2 a 0.

Fla ao fim, modificado e seguro de que a classificação não escaparia

A partir daí o inferno se transformou em uma sinfonia de felicidade. Sorrisos escancarados se embriagavam com uma convicção à la 2019, de que o time não perderia a vaga de maneira alguma na noite. Não era um Flamengo brilhante e plástico como o de três anos antes. Tampouco tinha jogadores do quilate de Rafinha e Gerson para isso. Mas um time em plena sintonia com a arquibancada, organizado, competitivo, sem dar chances para o adversário. Logo após o gol, Turco fez três mudanças para tentar modificar minimamente o panorama desolador do Atlético. Talvez para tentar consertar a ideia de escalar inicialmente dois jogadores que retornaram de lesão – Jair e Zaracho. Ambos saíram junto de Ademir e deram lugares a Otávio, Keno e Vargas. Dorival sacou David Luiz, lesionado, e Pedro, esgotado, e pôs Fabrício Bruno e Marinho. Abriu Gabigol à esquerda, Marinho à direita e deixou Arrascaeta pelo centro, quase como um falso 9.

Galo ao fim, com menos um, em busca do gol salvador

A presença de Marinho é outro acerto de Dorival. Outra conexão com a arquibancada. É um dos fatores que faltaram a Paulo Sousa entre tantos. Entender culturalmente o clube e o futebol brasileiro. Marinho é jogador que agrada ao torcedor e capaz de incendiar uma partida. Acionar um inferno. Mas ao seu estilo. Do seu lado, à direita. Um pouco mais atrás, o Flamengo aguardava para retomar a bola e esticar para buscar o terceiro gol. Em um desarme de João Gomes, o passe chegou ao feitio do camisa 31, que deu o tapa. Junior Alonso derrubou e, resignado, já esperava o vermelho. Com menos um qualquer estratégia final de Turco Mohamed estava desmontada. Igor Rabello entrou no lugar de Allan apenas para recompor a defesa. Dorival fez outras três mudanças para fechar o time. Arriscou ao tirar cobradores de pênaltis em potencial – Gabigol, Arrascaeta e Everton Ribeiro. Mas a confiança era mesmo alta.

Confiança respaldada na atuação e nos números. Um Flamengo que finalizou 21 vezes, com nove no gol contra sete do Atlético* e nenhum no alvo. 24 desarmes cariocas contra 15 mineiros. Ao apito final o Maracanã de novo abrigou a fusão entre massa e time. Jogadores e torcedores. Um só. No campo e na arquibancada camisas rubro-negras pulava, sorriam abertamente, cantavam com braços para cima. Já sem fumaça, sem dizeres. O inferno, afinal, era destinado aos outros. Em transe, Flamengo e sua gente se reencontraram como em outras noites épicas no Maracanã. Então, anote aí: 13 de julho de 2022. Depois de mais de dois anos de pandemia, o Maracanã viveu a sua mais bela noite. Do inferno ao paraíso rubro-negro.

*Números app SoFa Score

FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 2X0 ATLÉTICO-MG

Local: Maracanã
Data: 13 de julho de 2022
Árbitro: Wilton Pereira Sampaio (GO – Fifa)
VAR: Pablo Ramon Gonçalves Pinheiro (RN)
Público e renda: 62.624 pagantes / 68.747 presentes / R$ 3.423.620,45
Cartões amarelos: Everton Ribeiro, João Gomes, Thiago Maia (FLA) e Allan (ATL)
Cartão vermelho: Junior Alonso (ATL), aos 32 minutos do segundo tempo
Gols: Arrascaeta (FLA), aos 45 minutos do primeiro tempo e aos 18 minutos do segundo tempo

FLAMENGO: Santos, Rodinei, David Luiz (Fabrício Bruno, 22’/2T), Léo Lereira e Filipe Luís; Thiago Maia, João Gomes e Everton Ribeiro (Victor Hugo, 44’/2T); Arrascaeta (Diego, 44’/2T); Pedro (Marinho, 28’/2T) e Gabigol (Ayrton Lucas, 44’/2T)
Técnico: Dorival Júnior

ATLÉTICO-MG: Everson, Mariano, Nathan Silva, Junior Alonso e Arana; Allan (Igor Rabello, 34’/2T), Jair (Otávio, 25’/2T) e Zaracho (Vargas, 25’/2T); Ademir (Keno, 25’/2T), Nacho Fernández (Rubens, 41’/2T) e Hulk
Técnico: Turco Mohamed

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