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Em um olhar, a fábula rubro-negra: Flamengo, bicampeão da Libertadores

Gabigol gol River Libertadores 2019

(Flamengo / Divulgação)

Um olhar. Capaz de expressar sentimentos. Indicar caminhos. Traçar um marco na História. A bola sobe e desce. Travessa, quica enganando o feroz e atento defensor que esteve alerta durante todo o jogo. O olhar da camisa rubro-negra a acompanha. Gira com ela. Vislumbra o espaço vazio como quem pede ao defensor que jogue a redonda ali. Atordoado, Pinola atende. Esbugalha os olhos com o erro crasso. Estava muito claro o que ocorreria. Ela se oferece a Gabigol, sedenta para mergulhar na rede de Armani. Bastou um olhar. O Camisa 9 ajeita o corpo e observa rapidamente para frente. Foi o suficiente. Sabia, ali, o necessário para ficar marcado na História. Chute forte, decidido. A bola, em menos de quatro minutos, beija a rede mais uma vez e o mundo para. O Estádio Monumental de Lima parece em outra dimensão. Camisas rubro-negras voam. Lágrimas escorrem. Mãos às cabeças. Corpos ao chão numa catarse inigualável. Dedos apontados para os ceus. Um túnel do tempo escancarado conectando emoções distantes em 38 anos. O que já se ouviu, se via novamente ali. O que já se sentiu, sentia-se uma vez mais ali. Com um olhar, dois gols. Duas vezes campeão da América. Em novembro de 2019. Flamengo, bicampeão da Libertadores.

Fla no início: dificuldade de trocar passes e bem anulado

Nem o mais tresloucado dos roteiristas sairia tanto do rumo para traçar o caminho rumo à segunda taça que fez o Flamengo abraçar a América. Uma guinada no perfil do próprio time, acostumado a massacrar adversários, agora angustiado até o último minuto. Passando por dissabores da bola no mais importante confronto. Ah, mas a doçura de uma virada inesperada, movida na base da fé, é dos maiores presentes que uma torcida pode levar para si. Quando nada mais parecia indicar o trofeu. Quando tudo parecia dar errado, surgiu a esperança. E dela três minutos depois nasceu a glória eterna. Recheada de mística rubro-negra. Era imperativo que a camisa 10 estivesse em campo para que a segunda placa rubro-negra fosse talhada no taça. Participaria do momento decisivo, em um lançamento para que um olhar mudasse a História. O Flamengo, amigos, conectou-se definitivamente com o passado neste 23 de novembro de 2019. Fez o verso da arquibancada ganhar cores em campo. Deu a um emaranhado de gerações o mais dourado presente de suas vidas de torcedor. Não foi fácil. Não seria, mesmo, fácil.

River no início: estratégia definida, pressão no ataque e vantagem

Pois do outro lado estava o atual campeão da América, finalista pela terceira vez em cinco anos. River Plate de Marcelo Gallardo. Assim mesmo. Nome e sobrenome como os grandes times da História fazem questão de atender. O Santos de Pelé. O Flamengo de Zico. O Barcelona de Messi. O Boca de Riquelme. O Milan de Van Basten. E este Flamengo, de quem é? De Jesus, Gabigol, Bruno Henrique ou Arrascaeta? A História, ainda a correr diante de nossos olhos, um dia irá nos responder. É um time que prima pelo coletivo mesmo com tantos arroubos de talentos individuais. Por isso seria necessário um outro grande para freá-lo. E assim foi. Gallardo manda o River a campo com a mesma ideia inicial de Jorge Jesus, um 4-1-3-2. Mas é ainda mais claro em seu posicionamento. Enzo Pérez rege com maestria a saída de bola, Nacho González e De La Cruz se projetam com velocidade pelos lados. A estratégia foi clara: impedir o Flamengo de jogar. Chegadas fortes, mas sempre leais. Não houve pontapé. O River, lembrem-se, é um grande. Pressionou o Rubro-Negro ao impedir sua saída limpa de bola. O Flamengo, em um 4-4-2, teve cinco minutos iniciais bons. E aí se perdeu. Encontrou depois de inúmeros jogos alguém disposto a desafiá-lo. Não a aceitá-lo. Sentiu o jogo. Rafinha e Filipe Luís avançavam e não tinham espaços. Gerson era muito bem acompanhado pelo centro. Everton Ribeiro tentava na individualidade. Mal respirava entre uma chegada ou outra mais forte.

Era claro que o duelo de estratégias apresentaria prós e contras de parte a parte. Duas mentes pensantes da bola à beira do gramado tentavam reger seu time de acordo com as peças do adversário. Gallardo indicou as costas de Filipe Luís como ótima saída. Por ali Nacho Fernández e Suárez apareceram por vezes com velocidade, aproveitando a defesa adiantada. Palacios enxergava com maestria. O Flamengo incompreendia como era anulado em campo. O peso da América estava nos pés. Bruno Henrique tentava sempre o tapa para avançar em velocidade. Não tinha como girar, de tão marcado por Montiel, e tampouco tinha espaço em um time tão agrupado como o argentino. Pinola antecipava todas as bolas a Gabigol. Aos poucos, a dupla de ataque rubro-negro se encolheu e passou a esperar a redonda no pé em vez de buscá-la. Não dava certo. Com o panorama difícil, não foi estranho ver o River abrir o placar. Pelo caminho indicado. Bola à direita para Nacho, cruzamento rasteiro, indecisão de Gerson e Arão ao afastar a bola e Borré, rasteiro no canto esquerdo de Diego Alves. 1 a 0.

A metade rubro-negra da arquibancada mostrava ansiedade. Flamengo, invicto por 25 jogos, perdia quando não poderia. Pior: jogava mal. Filipe Luís, irreconhecível, errava passes e passadas. Jorge Jesus alternou ao 4-2-3-1, esticando Bruno Henrique e Everton Ribeiro pelas pontas. O atacante, por vezes, caía à direita. Não achava espaço. O River continuava impecável. Marcação com muita pressão, sempre leal, saídas rápidas e esticadas às costas da defesa avançada. Gerson entrou mais na partida tão logo Arão se meteu ao meio dos zagueiros para iniciar a saída de três. Uma melhora, mas não suficiente. O Flamengo tinha posse, mas não a intensidade de outros jogos. Palacios, de longe, assustou. O Flamengo desceu ao vestiário no intervalo realmente preocupado. A partida estava fora dos planos. O pensamento de parte dos torcedores e mídia de que tudo chegaria facilmente foi em vão.

O segundo tempo trouxe um Flamengo mais presente na partida. Tentando acelerar os passes para abrir brecha em um River tão bem postado. A marcação no ataque rubro-negro do primeiro tempo já dava lugar a um time argentino mais carente de fôlego e, portanto, mais recuado. Filipe Luís e Rafinha de volta ao jogo. O primeiro buscando o interior do campo, enquanto lateral-direito abria para perturbar Casco e tentar o entendimento já tradicional com Everton Ribeiro. O jogo mental em campo ainda era favorável aos argentinos. Por mais que o Flamengo encontrasse brechas para escapar, a frieza para definir os jogos parecia longe. Mas era um time mais coletivo. Gabigol arrastava Pinola para fora da área proporcionando as entradas de Bruno Henrique, Arrascaeta e Everton Ribeiro. Forçava o River a dar espaços. No lance mais perigoso, Bruno Henrique recebeu do Camisa 9 na frente de Armani, refugou o chute e cruzou. Arrascaeta furou, Gabigol bateu na defesa, Everton Ribeiro finalizou em Armani. Ansiedade a um time geralmente consciente do necessário para abater o adversário. No roteiro que geralmente preenche as linhas da História é fundamental a dose de ousadia. Jorge Jesus a carrega como estilo de vida. Ousa pela necessidade alarmante de vencer.

Fla ao fim: avançado, bem aberto buscando abrir defesa do River

Se Gallardo já fazia trocas pela necessidade de oxigenar o time e manter a pegada do primeiro tempo, Jesus avançou o Flamengo. Primeiro Gerson, lesionado, por Diego. Depois Arão, extenuado, saiu para a entrada de Vitinho. Como o River trocara Casco por Paulo Díaz e indicava contar com o resultado, Jesus avançou. Um atacante em cada ponta, Vitinho e Bruno Henrique, Arrascaeta e Everton Ribeiro pelo meio, com Diego mais atrás iniciando o jogo. Esgarçar o time adversário para ter espaços. E Diego tinha campo. Muito campo. Em uma retomada improvável dentro da Libertadores após fraturar o tornozelo nas oitavas de final diante do Emelec, o meia levava a mística da camisa 10 para a decisão. Há quem acredite ser bobagem. Fantasia. Mas há ritos a se cumprir para entrar para a história. Há coincidências que indicam que caminhos se cruzam, feitos estão prestes a acontecer. A mesma data da conquista de 1981. 23 de novembro. Um gol aos 43 minutos da etapa final, como em 2001. Não está morto quem peleia. É um Flamengo que se recusa a perder.

Da arquibancada, a pulsação de um Maracanã. Ao sentir o time ansioso, em dificuldades para superar um adversário tão grandioso, a Nação presente em Lima impôs seu ritmo no Monumental. “Em Dezembro de 81!”. Arrascaeta deu o bote em Pratto na intermediária. Avançou. “Botou os ingleses na roda!”. Contrariou a lógica que tinha Everton Ribeiro solitário à direita e deu em Bruno Henrique na esquerda. “3×0 no Liverpool!”. O atacante puxou para dentro e repetiu o movimento de tantas vezes na temporada. Frio, tocou para a ultrapassagem de Arrascaeta diante de um desesperado Pinola. “Ficou marcado na História!”. O River, desorganizado defensivamente, indicava estar prestes a perder o rumo. Arrascaeta cruzou. Gabigol, livre, tocou para a rede. Fez explodir o Monumental. Gol bem tramado, de um grande time. 1 a 1 que fazia a massa acreditar.

River ao fim: mais recuado, ainda em busca de saídas rápidas

A atmosfera que envolvia o estádio já tinha condenado o River Plate. Atônito, parecia não acreditar que um título quase certo escapava de repente pelas mãos. Pouco importa que o placar indicava uma prorrogação. Estava claro. “E no Rio não tem outro igual!”. Rafinha e Everton Ribeiro, impossíveis, levavam a alma da equipe à frente. O Flamengo confiava. A torcida sentia. A História estava prestes a seguir o seu rumo. Retomar o fio deixado há 38 anos. A camisa 10 recebeu a bola. A 9, à frente, pediu. De Zico a Nunes. A Diego e Gabigol. A pelota viajou levando 38 anos de emoções represadas. De fé. De decepções. De esperança. A queda, o giro, o olhar. A bola na rede fez o mundo levitar. O Milagre de Lima brotar. O mundo explodiu. Não há alma rubro-negra que não vá levar os três minutos do Monumental para toda vida. Que cantará em verso e prosa. Que deixará as lágrimas correrem tão longo a memória seja encharcada pelas imagens. Foi real. Um time histórico que precisava de uma fábula em sua trajetória. Não precisa mais. O segundo gol se fez. O preto e vermelho varreu a América. Passado e presente se cruzam para abrir caminho para o futuro. Histórias forjadas sobre a epopeia de Lima que serão contadas na subida na rampa do Maracanã, de gerações a gerações. Rituais que nasceram. Que foram renovados. Superstições forjadas num rito de fé. Em um olhar, tudo se construiu. Flamengo, bicampeão da Libertadores.

FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 2X1 RIVER PLATE

Local: Monumental, Lima (PER)
Data: 23 de novembro de 2019
Árbitro: Roberto Tobar (CHI)
VAR: Esteban Ostojich (URU)
Cartões amarelos: Pablo Marí, Rafinha (FLA) e Casco, Matías Suárez, Enzo Perez (RIV)
Cartões vermelhos: Palacios (RIV) e Gabigol (FLA), aos 50 minutos do segundo tempo
Gols: Borré (RIV), aos 15 minutos do primeiro tempo; Gabigol (FLA), aos 43 minutos e aos 46 minutos do segundo tempo

FLAMENGO: Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filip Luís; Willian Arão (Vitinho, 40’/2T), Gerson (Diego, 20’/2T), Arrascaeta (Piris da Motta, 48’/2T) e Everton Ribeiro; Bruno Henrique e Gabigol
Técnico: Jorge Jesus

RIVER PLATE: Armani; Montiel, Matías Quarta, Pinola e Casco (Díaz, 32’/2T); Enzo Pérez; Nacho Fernández (Alvarez, 23’/2T), Palacios e De la Cruz; Borré e Matías Suarez (Lucas Pratto, 29’/2T)
Técnico: Marcelo Gallardo

  • Vinícius Araújo Santos

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