(Alexandre Vidal / Flamengo)
(Alexandre Vidal / Flamengo)
Talvez um desavisado que tivesse adentrado no Engenhão por mera curiosidade imaginaria se tratar ali de um jogo comum. Um duelo sem rivalidade importante, com um time superior ao outro e uma vitória apenas protocolar. Ficaria ele surpreso ao ser informado que ali no estádio estava em disputava uma final de campeonato entre dois dos maiores rivais do futebol brasileiro. A decantada disparidade entre Flamengo e Vasco além dos campos se materializou no gramado numa chuvosa tarde de domingo. E com um requinte de crueldade aos cruzmaltinos. Não foi um daqueles dias inspirados do rival, com atuação soberba, sem nenhum erro cometido. Ao contrário. O 2 a 0 da vitória rubro-negra foi alcançado em contornos de trivialidade. Protocolar. Uma partida correta. Um jogo de um time só.
Não foi nem mesmo a melhor atuação do time de Abel Braga na temporada. Ficou a uma boa distância do jogo contra a LDU pela Libertadores, por exemplo. A imposição ocorreu de forma natural, com um reconhecimento rival. Abel mandou a campo o Flamengo no 4-2-3-1, mas com uma novidade crucial: Arrascaeta na vaga de Diego. Seria de pensar que o técnico colocaria cada peça em seu lugar. Mas a entrada do camisa 14 forçou o técnico a pensar além. Tornou o ponta – Bruno Henrique – uma vez mais centroavante. Transformou o centroavante – Gabigol – em ponta. Passou o ponta direita – Everton Ribeiro – em homem centralizador. E pôs Arrascaeta em seu habitat, da esquerda ao centro. Isso, na teoria. Com a velocidade e troca de posições, o Flamengo se modificava. Arrascaeta por dentro, Everton por fora. Bruno Henrique na área com Gabigol. Confundia. Pressionava. Um time só.
Pois o Vasco, do outro lado, tentou tornar o time mais cascudo com Maxi López no comando do ataque. Um 4-4-2, com o camisa 11 ao lado de Bruno Cesar, o restante da equipe mais recuada, mais sem fechar os espaços ao Flamengo. Ao contrário. O time rubro-negro, ao pressionar a saída de bola do Vasco, complicou demais a vida do rival. Restavam aos comandados de Alberto Valentim chutões em busca do pivô salvador de Maxi. Muito pouco. Marrony por vezes tinha sucesso ao combater Pará, mas nenhuma companhia. O Vasco, receoso, entricheirado no próprio campo, aceitava o rival como se tivesse em mãos um atestado de inferioridade técnica incapaz de superar. O Flamengo, então, jogou solto. Quase 60% do tempo no primeiro tempo a bola parou em seus pés.
Foi confortável deixar Cuellar responsável pela vigília de um inexpressivo ataque vascaíno. Tímido com Bruno Cesar e Maxi por dentro, insuficiente com Pikachu à direita e baseado muito na tentativa de força e velocidade de Marrony à esquerda. Era por ali, do lado do garoto vascaíno, que o Flamengo tinha força. Everton Ribeiro, Arão, Gabigol, Pará. O Flamengo tabelava, saía ao fundo e…cruzava. Até exageradamente. Bateu em 25 cruzamentos na primeira etapa. Cercava, movimentada, cruzava…e foi incapaz de finalizar o jogo, tamanho volume que apresentava. Com os zagueiros posicionados ao menos na risca do meio de campo, o único risco seria sofrer um contra-ataque fulminante. Em um lance, quase aconteceu. Casquinha de Marrony para Maxi entrar na área em boa condição. Mas, lento, o atacante não foi páreo para a ótima recuperação de Léo Duarte, que travou o chute cruzado. E o clássico, incrivelmente, terminou sem gols no primeiro tempo.
Parecia impossível que, a continuar assim, o Vasco resistisse. Bastaria uma conclusão bem feita, uma jogada um pouco mais trabalhada do Flamengo. A rigor, o time rubro-negro voltou da mesma maneira. Pressão no campo rival, ataque em bloco, triangulações. Mas houve uma diferença: Arrascaeta caiu mais por dentro. Quando Everton Ribeiro abria à esquerda, o meia uruguaio teve espaço às costas de Raul e Lucas Mineiro para desfilar sua melhor qualidade: a capacidade de enxergar espaços para os companheiros. Ainda mais com os velocistas. Com um toque simples, direto, objetivo, pôs Bruno Henrique e depois Gabigol frente a frente com Fernando Miguel. Sabe achar brechas nas defesas. Dá maior fluidez ao jogo. Ainda mais diante de um Vasco incapaz de oferecer resistência.
Valentim tentou a troca de Bruno Cesar pelo garoto Lucas Santos. Baixinho, veloz, tem qualidade. Mas diante de um Flamengo mais atento na defesa, buscando o bote seguro para adiantar o jogo, encontrou dificuldades. Raul e, principalmente, Lucas Mineiro não conseguiam iniciar o jogo vascaíno, sufocado. Ao perder a consistência defensiva no jogo aéreo, o Vasco sucumbiu. Espaçado, o time viu o Flamengo tramar jogadas com tranquilidade até a intermediária e, dali, alçar bolas. Em uma delas, o gol chegou. Danilo Barcelos cortou mal o cruzamento de Everton Ribeiro. Bruno Henrique, atento na segunda trave, bateu de primeira. 1 a 0. A aposta da Abel funcionava.
Se diante do San José o ponta mostrou dificuldades em encarar o jogo como centroavante, contra do Vasco foi diferente. Incomodou no jogo área, apareceu para concluir e soube alternar os passos na área com Gabigol. Difícil contestar seu aproveitamento por ali. Mostrou oportunismo, como no gol mal anulado pelo árbitro Rodrigo Nunes de Sá mesmo, pasmem, com a revisão por meio do VAR. Werley iniciou nova jogada e deu outra direção à bola. Rumo à direita, foi à esquerda e encontrou os pés de Bruno Henrique, que marcou. Mas não valeu. Ainda assim, apenas reforçou a impressão: o Vasco, já mais desgastado, abria espaços. Era um jogo de um time só.
Tão logo Alberto Valentim tentou suas últimas fichas, com Yan Sasse na vaga de Marrony e Tiago Reis no lugar de Maxi López, o Flamengo praticamente sepultou o ânimo vascaíno. Demonstrou ser melhor técnica, tática e mentalmente. Renê esticou bola pela esquerda, Cáceres protegia a bola e, distraído, não viu Arrascaeta roubar a bola e acelerar. Pela esquerda, em seu habitat, o uruguaio foi à linha de fundo e cruzou para o meio, onde Fernando Miguel espalmou nos pés de Bruno Henrique. O rebote terminou no segundo gol rubro-negro. 2 a 0.
Abel promoveu trocas. Poupou desgaste físico e evitou possíveis suspensões. Pôs Vitinho, Diego e Lincoln. Sacou Gabigol, Everton Ribeiro e Arrascaeta. Trocas que demonstraram a diferença abissal entre os elencos. O Flamengo, então, fez o tempo andar, pôs a bola a girar. De um lado a outro, trocou passes. Foram 488 contra 243 do Vasco. Teve a bola por quase 61%* do tempo. Finalizou 23 vezes contra seis do rival. Ainda que com defeitos – foram 43 cruzamentos – o Flamengo foi amplamente superior. Embora protocolar, os números mesmo indicaram: o jogo de ida da final do Campeonato Carioca foi de um time só.
*Números do app Footstats Premmium
FICHA TÉCNICA
VASCO 0X2 FLAMENGO
Local: Estádio Nilton Santos, o Engenhão
Data: 14 de abril de 2019
Árbitro: Rodrigo Nunes de Sá (RJ)
Público e renda: 9.976 pagantes / 10.854 presentes / R$ 521.920,00
Cartões amarelos: Lucas Mineiro e Cáceres (VAS) e Bruno Henrique (FLA)
Gols: Bruno Henrique, aos nove minutos e aos 32 minutos do segundo tempo
VASCO: Fernando Miguel, Cáceres, Werley, Leandro Castan e Danilo Barcelos; Raul e Lucas Mineiro; Yago Pikachu, Bruno Cesar (Lucas Santos/ Intervalo) e Marrony (Yan Sasse, 20’/2T); Maxi López (Tiago Reis, 29’/2T)
Técnico: Alberto Valentim
FLAMENGO: Diego Alves, Pará, Léo Duarte, Rodrigo Caio e Renê; Cuellar e Willian Arão; Everton Ribeiro (Diego, 36’/2T), Arrascaeta (Lincoln, 44’/2T) e Bruno Henrique; Gabigol (Vitinho, 32’/2T)
Técnico: Abel Braga