Há diversas maneiras de disputar futebol. Quase todas legítimas. O contra-ataque, envelopado com o termo moderno de “reativo”, é uma delas. É estratégia que dá gosto quando bem executada, trabalhando com limitações técnicas ao primar simultaneamente com organização tática quase obsessiva. O Botafogo de Jair Ventura entre 2016 e 2017 era um ótimo exemplo. Sabia que deveria ser competitivo. E para ser competitivo no futebol é necessário, ainda que de forma mais moderada, atacar. Libertar-se. O uruguaio Defensor chegou ao Maracanã para encarar o Fluminense de forma absolutamente contrária, com um jeito covarde, até repugnante de disputar futebol. Honrou o nome. Defender-se, apenas. Claro que foi justamente castigado. Um 2 a 0 com direito a um gol olímpico de Sornoza para emoldurar paneis no túnel do novo Maracanã. Não há mal que perdure diante de tamanha pintura.
No início de trabalho no Fluminense, Marcelo Oliveira empilhou alguns bons resultados que lhe deram fôlego para tentar promover maiores mudanças. Ser mais ousado, até. Pois ciente de que o primeiro jogo em casa seria determinante para o confronto internacional, ele lançou o Fluminense a campo com três atacantes. Um 4-3-3 com Marcos Júnior, Matheus Alessandro e Pedro, Airton, Jadson e Sornoza por trás. Uma estratégia bem clara: a promessa de chegada do rival era com três zagueiros. Esgarçar a defesa com os dois pontas permitindo infiltrações por dentro ou arremates de fora da área do meia criativo, Sornoza. Era uma ideia. Mas o Defensor tentou complicar o rival fechando ainda mais sua linha de defesa: em vez de um 3-5-2, um 5-4-1 muito fechado. Um ferrolho uruguaio. Em minutos confirou como seria a partida: um ataque contra defesa. Não é exagero.
O time uruguaio abdicou completamente da posse de bola. O Tricolor teve picos de mais de 80% com a bola nos pés. E trocou passes. Laterais, é verdade. De um extremo ao outro, passava a bola, com facilidade, mas sem tanto perigo. Na frente de uma linha de cinco havia outra de quatro. Waterman, solitário, tentava pressionar Gum e Digão, avançados, para talvez buscar um ataque de uma nota só. Não conseguiu. E o Fluminense esbarrava em limitações. Matheus Alessandro, à esquerda, e Marcos Junior, à direita, são jogadores que precisa de espaço para usar a velocidade. Não são tão habilidosos, com dribles curtos. Com Suárez e Goñi bem colados aos zagueiros, houve pouco campo para o trabalho dos atacantes tricolores. Talvez o que tenha forçado a insistência em cruzamentos. De acordo com o Footstats, o Fluminense teve 53 durante a partida – 26 apenas no primeiro tempo.
Com boa presença de área, Pedro conseguiu vez e outra raspar a cabeça na bola. Mas, a rigor, a equipe teve dificuldades para lidar com um ferrolho tão bem armado e tão covarde quando o do Defensor. Sornoza avançava por dentro, mas Jadson, inexplicavelmente, se mantinha mais grudado à linha do meio de campo mesmo com o rival totalmente recuado. Leo, mal tecnicamente, pouco ajudava pela direita. Ayrton era arma ofensiva pela esquerda, tentando o diálogo com Matheus Alessandro. O ferrolho impedia. Tornava o jogo chato, quase irritante.
Não foi muito diferente dos dez minutos iniciais do segundo tempo. Marcelo Oliveira percebeu os resmungos da arquibancada em cada avanço de Leo e tentou ser mais ofensivo empilhando atacantes. Jadson assumiu a lateral e Everaldo entrou em campo, esticado na direita. Sornoza recuou alguns passos e Marcos Junior centralizou, indicando um 4-2-3-1. Ao mesmo tempo que continuava a tentar esgarçar a defesa uruguaia, Marcelo Oliveira buscava uma apróximação com Pedro, tentando aproveitar o espaço entre zagueiros e meio-campistas com Marcos Junior. Deu certo em alguns momentos quando Sornoza aproximou e Marcos Junior deixou o meio para correr à direita, entre zagueiro e ala. O cruzamento rasteiro saiu naa medida, mas Pedro perdeu boa chance.
Matheus Alessandro deu lugar a Pablo Dyego. O Fluminense tentava pressionar a presa a sair de sua toca para dar o bote. Mas não há um time que resista a uma postura tão covarde como a do Defensor. Excessivamente recuados, os uruguaios abriram o leque tricolor para finalizações e escanteios. Bastaram dois deles. No primeiro, Sornoza cobrou na cabeça de Digão, que tocou na trave antes de ver a pelota morrer no fundo da rede. Aos 41 minutos. Um suspiro que invadiu o Maracanã. Impactado com o gol, o Defensor traiu sua lógica covarde por alguns minutos. Lançou-se ao ataque em busca do gol fora de casa que, mais do que o empate, daria a vantagem no jogo de volta. Foi fatal.
No contra-ataque, mais um escanteio ao Fluminense. E Sornoza fez o jogo se justificar. O lindo voo da bola direto à rede, na segunda trave. Gol olímpico. Espetacular. 2 a 0. Com 80% de posse de bola, 20 finalizações contra apenas uma, errada, e 592 passes trocados contra 77, o Fluminense deixou claro que há várias maneiras de se disputar uma partida de futebol. Mas a covardia, certamente, não é uma delas.
FICHA TÉCNICA
FLUMINENSE 2X0 DEFENSOR
Local: Maracanã
Data: 02 de agosto de 2018
Horário: 21h45
Árbitro: Germán Delfino (ARG)
Público e renda: 14.242 pagantes / 14.895 presentes / / R$ 325.205,00
Cartões Amarelos: Digão e Sornoza (FLU) e Mathías Suárez, Carrera, Rivero e Cardacio (DEF)
Gols: Digão (FLU), aos 41 minutos e Sornoza (FLU), aos 47 minutos do segundo tempo
FLUMINENSE: Júlio César; Leo (Everaldo, 11’/2T), Gum, Digão e Ayrton Lucas; Airton (Richard, 26’/2T), Jadson e Sornoza; Marcos Junior, Pedro e Matheus Alessandro (Pablo Dyego, 33’/2T)
Técnico: Marcelo Oliveira
DEFENSOR: Reyes; Mathías Suárez, Maulella, Nicolás Correa, Carrera e Goñi; Pablo López (Martín Correa, 36’/2T), Rabuñal, Cardacio, Cougo (Rivero, 29’/1T); Waterman (Navarro, 23’/2T)
Técnico: Eduardo Acevedo