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Na pirâmide da bola, uma viagem pela tática

A Pirâmide Invertida: história da tática

Há quase um ano tracei algumas linhas para o Esporte Final sobre o exagero do tatiquês no jornalismo esportivo que causaram uma espécie de irritação generalizada em quem abraça o tema com paixão aflorada. Levei muita bordoada em redes sociais da turma especializada, ainda que tenha ocorrido uma grande confusão por parte de muitos: a crítica, ainda atual, era sobre a maneira de se comunicar, necessariamente objetiva e clara em um jornalismo que abrange diferentes públicos, e não ao estudo e entendimento da tática no futebol. Mas confusões acontecem.

Fato é que, sim, me interesso pelo tema e desde que me tornei jornalista esportivo sempre gostei de acompanhar de perto os jogos e treinamentos – infelizmente hábito cada vez menos permitido nos clubes brasileiros – e ficar atento ao que executavam e diziam técnicos e jogadores. Estudar, buscar conhecimento nunca é demais. Ler, então, nem se fala. Por isso decidi embarcar no mais novo lançamento da Editora Grande Área, A Pirâmide Invertida, do inglês Jonathan Wilson, que aborda a história da tática no futebol. Como é um livro indicado a um nicho, me preparei, claro, para encarar expressões como as que critiquei no texto que causou alguma polêmica, ainda que sem muito sentido. Mas que nada. Ao longo de mais de 400 páginas fiquei, mesmo, encantado.

Claro que algumas expressões modernas sobre o jogo estão lá. Era inevitável. Mas o livro, repito, parece se dedicar a um nicho. Ainda assim, a tradução, realizada pelo jornalista André Kfouri, é bem clara e encarna o embalo de um verdadeiro romance não só sobre a história da tática, mas sobre o futebol em si. Acompanhar o nascimento do esporte mais popular do mundo e sua desorganizada pirâmide inicial, um 2-3-5 do final do século XIX, na Inglaterra, é interessante para qualquer apaixonado pelo esporte mais popular do mundo. Wilson faz bem o vaivém entre seleções, clubes e diferentes países, engendrando o livro de maneira que o leitor constroi ao longo das páginas o processo de inversão da pirâmide, levando-a aos esquemas atuais com um homem na frente alimentado por vários atrás. 4-1-4-1, 4-2-3-1. No fim, como diz Guardiola no livro sobre seu primeiro ano do Bayern, são apenas números de telefone.

É especialmente deliciosa e rica a passagem que conta sobre o grande Milan do fim dos anos 80 de Arrigo Sacchi, Van Basten e Gullitt.

Jonathan Wilson explica o porquê de o sistema tático no futebol ser um ser vivo, sempre em mutação, pronto para se adaptar às características modernas do jogo, com menos espaços, altíssima competitividade e atletas talhados para render o máximo. É uma viagem no tempo observar como tudo se encaixa, como o futebol bebeu de várias fontes para evoluir e se tornar o jogo complexo dos dias atuais. Desde os cafés de Viena, na Áustria, e seu romantismo sobre o futebol até o jogo bruto dos ingleses e sua insistência em ignorar o passe como parte fundamental do esporte.

A primeira pirâmide: esquema 2-3-5

Natural que Wilson, britânico, mergulhe fundo no futebol local, berço do jogo moderno, e no europeu. Estão lá explicações sobre o nascimento do histórico sistema W-M, nomes como Jimy Hogan, Viktor Maslov, o Futebol Total da Holanda de Cruyff e Rinus Michels, a força soviética e suas implicações para encaixar no jogo análises com tecnologia e estudos em laboratório. Entendemos o surgir do catenaccio italiano. E é especialmente deliciosa e rica a passagem que conta, com direito a campinhos, numerosos ao longo de toda a publicação, sobre o grande Milan do fim dos anos 80 de Arrigo Sacchi, Van Basten e Gullitt. Compreendemos o jogo com três defensores, o oposto da pirâmide inicial. Admiramos Louis van Gaal. E desembocamos, claro, em Guardiola e seu ápice do jogo coletivo, com fartura de passes entre Xavi, Iniesta, Messi e companhia.

O livro, no entanto, não abraça apenas o futebol europeu. E nem poderia. Há espaço, claro, para as duas grandes escolas do futebol sul-americano, a brasileira e a argentina. O Brasil de 58 e seu 4-2-4 inovador está lá, assim como a escalada ao 4-3-3 com o formiguinha Zagallo em 1962. A maior seleção de todos os tempos, o Brasil de 70 recheado de gênios, também está reverenciada e explicada. O Flamengo de 81 e seu 4-1-4-1 (ou 4-5-1) está lá. Sob o olhar brasileiro faltaram, mesmo, um mergulho maior à história seleção de 82 e uma explicação sobre a importância do ousado Nilton Santos para o jogo dos laterais modernos. Com os hermanos, a explicação da romântica época de La Nuestra e o embate entre as doutrinas de Menotti e Billardo, dando sequência ao detalhamento do perfeccionismo, anos mais tarde, de El Loco Bielsa, um dos inspiradores de Guardiola.

A Pirâmide Invertida é um livro para ser absorvido com calma, relendo trechos, observando os campinhos táticos e, num mundo moderno, até auxiliado de vídeos da internet. Fui buscar vídeos de Matthias Sindelar, o atacante austríaco e provável primeiro falso 9, já nos anos 30. É a história do futebol romanceada e um estudo a fundo da evolução da tática. Vale muito ler. Até na praia.

Ficha:

Título: A Pirâmide Invertida – A história da tática no futebol

Autor: Jonathan Wilson

Editora: Grande Área

Preço: 64,90

Páginas: 472

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