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O Técnico, o capitão e o controle do vestiário

A temporada entrava na reta final no futebol brasileiro e o Técnico havia cumprido sua missão. Chegara devagar, conquistara espaço, melhorara o time. Rebaixamento era palavra do passado. Assegurada a permanência na equipe na elite com folga, seu contrato fora renovado para o ano seguinte. Apesar do temperamento forte, da insistência em ter o controle absoluto do vestiário no dia a dia, o Técnico fazia sucesso. E, claro, era muito requisitado para entrevistas. Gostava de ter bom relacionamento com os setoristas, muito mais devido a uma ingênua tentativa de controlar a livre circulação de informações do seu “reino”, como chamava o vestiário, do que pelo gosto de cultivar plenas amizades. E os alimentava com algumas informações durante as resenhas para construir a falsa sensação de confiança.

Assim que o Técnico entrou na redação da Rua São Ramos, número 47, foi saudado. As estagiárias de marketing e Recursos Humanos desceram as escadas correndo e pediram selfies, no que foram atendidas com gosto. Entre os vários cliques, o Técnico ouviu uma provocação bem-humorada de um dos repórteres mais experientes da redação, Carlos Benfeito, o Benfa, setorista – e também torcedor – do clube rival.

“Fala, professor! Deu aquela quebrada na gente no clássico, hein? Vou ter de sangrar nas tintas hoje”, gritou Benfa.

O Técnico riu. Estava de bem com a vida. Parecia até mesmo mais aliviado. Mas, apesar de bom profissional, tinha certa mania de perseguição. Não confiava em jogadores mais experientes. Acreditava que contaminavam o ambiente e desafiavam sua liderança, impedindo desde o vestiário o avanço da equipe em campo. Barravam ideias novas. No novo clube, dois estavam em sua mira: o zagueiro e capitão e o lateral-direito. O Técnico sabia que vazavam informações sobre o dia a dia, inclusive sobre formações táticas nos treinos fechados.  Controlavam os mais jovens.

Atuavam para manter o poder. O capitão, então, tinha a bênção do presidente do clube. Diziam, seu novo contrato já estava redigido por mais dois anos, na gaveta do gabinete presidencial, pronto para ser assinado. A entrevista no estúdio de tv da Rua São Ramos, 47, transcorreu normalmente. Ao lado da apresentadora, que encantou o Técnico com seus cabelos loiros e cintilantes e os ombros desnudos em um macacão justo, estavam outros dois profissionais.

Afrânio Sampaio Moscoso, editor linha dura e criterioso, e Marcelo Secken, setorista do clube e que mantinha ótima relação com o Técnico. Ao fim de quase 40 minutos de papo, o Técnico rumou à cantina. Queria comer algo antes de seguir para o treino no CT, a uma distância de 30 km de redação. Estava apenas acompanhado de seu auxiliar. Não gostava de assessores de imprensa. Não confiava neles. Até havia se desentendido com o diretor de comunicação do clube recentemente. Na frente do presidente o acusara de vazar informações para o principal jornal da cidade. Exigiu a saída do profissional, braço direito do mandatário. Ele ou eu. Com os bons resultados em campo ficaram os dois.

A caminho do estacionamento, o Técnico distribuía sorrisos e ainda posava para selfies com estagiários. Marcelo Secken o acompanhava na tentativa de arrancar mais informações sobre a temporada seguinte. O Técnico tinha um alvo: queria o telefone da apresentadora de tv. Após o programa, trocaram palavras gentis e ele havia prometido entregar a ela a camisa de seu último clube, o mesmo do coração da moça dos ombros desnudos e cabelos cintilantes. No caminhar rumo ao carro, o Técnico observou o ambiente com o rabo dos olhos e soltou para Secken, baixinho.

“Ontem foi duro. Tirei o capitão”

Secken arregalou os olhos.

“Tirou? Como?”

“Contrato estava assinado e na sala do presidente mesmo. Fui para o pau. Eu ou ele. O cara já tinha comprado e estava reformando apartamento no mesmo apartamento do Goma”, acrescentou o Técnico.

Secken arregalou ainda mais os olhos. Goma era Manuel Gomes Correia, o diretor de futebol. A notícia, de fato, era uma bomba. O capitão do time, com três anos de clube e líder do vestiário, expulso pelo Técnico. O ambiente ficaria instável, parte da torcida não concordaria, ainda que venerassem o trabalho do treinador.

“E aí, me arruma o telefone da loira. Fico te devendo mais uma”, disse o Técnico, piscando o olho e rindo, ao entrar no carro e deixar a São Ramos, 47.

As palavras do Técnico acordaram Secken do transe. Rapidamente, ele sacou o telefone e contatou fontes. As mensagens retornaram rapidamente pelo Whatsapp, ali mesmo, no estacionamento. Três pessoas confirmavam o fato. O clima estava pesado. Além do capitão, o lateral-direito, espécie de sub-síndico do vestiário, estava na mira. A nota oficial enviada uma semana antes pela assessoria de imprensa do jogador criticando o departamento médico caíra muito mal. Toda a história foi para as páginas do dia seguinte e invadiu o mundo digital. O assunto era apenas a queda do capitão.

A caminho do treino, Secken se segurava no carro entre as freadas do motorista apelidado de Nakajima quando o celular vibrou. Na tela, o nome de Goma piscava. Ele deslizou o dedo pelo touchscreen e atendeu.

“Secken, que porra é essa?”, berrava Goma.

“Boa tarde para você também, Goma”, respondeu, seco, o repórter.

“Sério. Como você descobriu isso? A cagada é enorme. Até o assunto do apartamento no meu prédio. Porra, estão achando que eu fui a fonte dessa merda. Todo mundo me pressionando, caralho! Quem foi?”

“Goma, a gente tem um bom relacionamento, mas você sabe que revelar fonte é coisa de juvenil. Tenta com outro. Há alguma mentira ali?”

“Nenhuma, mas porra…acham que fui eu”

“Não foi você, Goma. E nós dois sabemos muito bem disso. O resto é história. Falamos depois. Abraço!”, finalizou Secken.

Goma, resignado, desligou em meio a alguns palavrões. A temporada chegou ao fim, o capitão e o lateral-direito não continuaram no elenco para a temporada seguinte. Coube ao presidente conceder entrevistas e explicar o que faria com o contrato assinado por mais dois anos, mas nunca registrado. Devido ao bom relacionamento entre ambos, não houve ação judicial do capitão.  O Técnico formou a panela própria, com jogadores desconhecidos e que renderam acima do esperado. O futebol era bonito, vistoso. Título, no entanto, não chegou e  el deixou o clube duas temporadas depois.

Ainda na Rua São Ramos, 47, Secken estava sentado em seu terminal e lembrava da história enquanto acompanhava o noticiário. Lá estava o Técnico dando entrevista em outro grande clube, mas já em outro estado. Os trejeitos se repetiam. As piadinhas para aliviar o clima durante as respostas. O sorriso de canto de boca, também. Secken relembrava. Ignorara completamente o pedido do técnico pelo telefone da moça. Não se prestaria ao papel. Mais tarde, soube que Goma tentara descobrir a fonte para, de fato, limpar a barra com a diretoria. A ligação feita naquele dia fora colocada no viva-voz diante do presidente, do diretor de comunicação e do Técnico, todos presentes na sala e tentando descobrir o autor do vazamento.

“Não vale nada”, pensou Secken. Ao fim da lembrança, a discussão no programa de tv chamava a sua atenção. O Técnico acabara de conceder entrevista e confirmar a barração de um dos principais ídolos do time. Era conhecido pelo temperamento explosivo, as declarações polêmicas em entrevistas e redes sociais. O convívio era de apenas quatro meses. Analistas táticos acreditavam piamente na justificativa do Técnico, sobre a necessidade de maior intensidade, compensações e outros neologismos. Secken riu. O panorama era claro.

“E lá vai ele de novo…”, disse para si mesmo o repórter, voltando a cabeça para o computador para terminar de bater o abre do dia.

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