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Doha e os 120 minutos ao abaixar da poeira

Bruno Henrique Alexander-Arnold Mundial Clubes

(Flamengo / Divulgação)

Bruno Henrique Alexander-Arnold Mundial Clubes

(Flamengo / Divulgação)

Doha se foi há quase uma semana e segue a aquecer discussões, principalmente em redes sociais. Entre apimentadas clubísticas de parte a parte por torcedores e provocações rasteiras inclusive de profissionais de imprensa com bairrismo até então reprimido, a mensagem parece ter sido ignorada por grande parte dos lutadores do ringue virtual. Vamos combinar desde já: não houve ar épico ou partida para História do Flamengo diante do Liverpool. Apontar esse viés é externar o desejo latente por um Dom Quixote cavalgando atrás dos moinhos disfarçados de monstros imaginários. E daí zombar do louco ficaria divertido. Não foi o que aconteceu. A decisão do Mundial de Clubes mandou, sim, um recado ao futebol sul-americano em 120 minutos: há um caminho para encurtar a distância. Preparar-se, jogar futebol, ter coragem de enfrentar com ideias um adversário claramente superior. Ser digno. Foi o que o Flamengo trouxe na mala do Qatar. E dada a distância entre universos entre as comunidades de futebol sul-americano e europeia, o destaque a essa postura parece mais do que óbvio: é necessário. Há um caminho.

Pois se acalme, leitor discordante, e apague o tweet que já trazia “glamourização da derrota” entre os seus caracteres. O Flamengo perdeu um jogo que desejava há 38 anos ganhar mais uma vez. Não há nada histórico nisso. A taça se foi, o povo seguirá pedindo o mundo de novo. As provocações de rivais ainda acontecem. Mas daqui a um tempo a poeira do deserto de Doha irá se aquietar. O nosso universo voltará a ser nos campos sudacos de cá. E aí, sim, a mensagem de Doha ficará clara. Ora, o Flamengo fez um jogo com equilíbrio de forças com o campeão europeu e atual líder da Premier League. Jürgen Klopp pôs em campo todos os melhores jogadores disponíveis. Começou o jogo a mil, perdeu chances, apresentou um ritmo intenso e…deparou-se com uma dificuldade. É inegável constatar, até pelas expressões de Van Dijk e companhia, que houve desafios inesperados ao Liverpool em Doha. Os ingleses não chegaram a ficar na roda, como canta a arquibancada rubro-negra em prosa e verso. Mas, principalmente no primeiro tempo, tiveram momentos fora do roteiro. Houve incômodo. Bruno Henrique arrancou suor do excepcional ALexander-Arnold. Rafinha tirou Mané do sério. O Flamengo decidiu ter a bola, valorizar ao máximo a posse dela. Quem a tem, corre menos riscos de sofrer. O Liverpool estava abaixo deliberadamente? Vá lá que isso tenha algum fundo de verdade. Pois do outro lado é facil rebater: o Flamengo também.

Como joga, afinal, a equipe de Jorge Jesus, atropelando adversários nas canchas locais? Ocupa o campo adversário, é feroz na retomada de bola e, quando a tem, dispara de forma agressiva rumo ao gol adversário. Foi este Flamengo que vimos na final de Doha? Nada. Provavelmente por se reconhecer inferior, o time de Jorge Jesus mudou a estratégia: mais calma na hora de avançar. Um arranque feroz rumo a um adversário tão forte poderia resultar numa perda de bola irreparável, dando ao Liverpool sua arma mais eficaz: o contra-ataque mortal que, fatalmente, daria por encerrada a peleja de forma precoce e comprovaria a tese de que não haveria disputa de igual para igual. O Flamengo decidiu ter mais a bola, trocar passes em seu campo com paciência até observar a mínima brecha para avançar com segurança. Adaptou-se. Jogou, em vez de se defender. Ousou, em vez de se acorvadar. Teve ideias, em vez de apostar em uma bola salvadora. Enquanto teve fôlego e meias construtivos, duelou. Era, é e continuará inferior ao campeão europeu. Mas teve jogo, como muitos apostavam.

Agarrar-se a uma tese de que o Liverpool encarou a decisão como um mero amistoso e conduziu o jogo como quis parece briga de quem vê a realidade desconstruir a ideia pré-concebida na cabeça. O time inglês já encontrou dificuldades na própria Premier League em tempos recentes, mas sempre tirou da cartola uma maneira de vencer em 90 minutos. Diante do Flamengo, não conseguiu. Precisou de 120 minutos e correu riscos até o fim – a bola isolada por Lincoln parece elementar neste ponto. Se os Reds estiveram longe de seu auge parece justo dizer que o Flamengo também. Principalmente na parte física. O que seria do confronto se a equipe de Jorge Jesus estivesse na ponta dos cascos como na atuação fantástica diante do Grêmio na semifinal da Libertadores? Intensidade absurda, sede de gol, berro da arquibancada na cabeça do rival. Um duelo que infelizmente pertence apenas à imaginação. Em Doha, as condições de lado a lado foram aquém do cruzar de bigodes perfeito, de videogame.

O Flamengo apresentou no Qatar a melhor atuação do futebol sul-americano desde o fim dos anos 90 no Mundial de Clubes. Ainda assim foi inferior na maior parte do tempo e, merecidamente, não venceu. A distância dos nossos universos foi escancarada aqui. Estamos muito atrás. Jorge Jesus e sua metodologia fizeram o Flamengo se aproximar do olimpo da bola de alguma maneira. Ainda que tenha falhado, na visão deste escriba, ao sacar Everton Ribeiro e Arrascaeta, desestruturar a equipe, fazê-la correr mais e, consequentemente, ficar mais cansada. Acabou sem forças, apesar do último suspiro de Lincoln. O torcedor vai continuar a fazer memes, provocar com “troféu de igual para igual”, jornalistas encharcados de bairrismo e com a polêmica como linha profissional continuarão a fazer as mesmas piadas e alfinetadas em redes sociais. Mas a poeira de Doha irá abaixar. A mensagem vai ficar clara, principalmente para profissionais que lidam com o futebol. Em 120 minutos, o Flamengo que sobrou nos campos brasileiros indicou um caminho. Ignorá-lo é assumir o risco de seguir longe. Inclusive dos próprios rubro-negros.

  • Davi Coppe

    Excelente análise Pedro, a mais justa que vi até agora. Vida longa ao bom jornalismo.

  • Danilo

    Esse texto é aula demais! E, ano depois, vimos um futebol totalmente diferente do representante da Conmebol no Mundial da FIFA. E um resultado também. E uma repercussão, por incrível que pareça, muito mais parcimoniosa, a ponto de, aí sim, romantizarem um vexame histórico.