Filipe Luis estreia Brasileiro 2020
A travessia é dura: Flamengo cai diante do Atlético-MG na estreia de Domènec
10 agosto 03:02
Gabigol gol Grêmio Brasileiro 2020 Maracanã
Um Flamengo cinza arranca empate do Grêmio no Maracanã
20 agosto 02:57

Paciência é via de mão dupla: afoito, Dome põe digitais e implode Flamengo em Goiânia

Gabigol Flamengo Atlético-GO

(Alex Vidal / Flamengo)

Gustavo Henrique Flamengo Atlético-GO

(Alex Vidal / Flamengo)

Nas primeiras palavras na estreia de Domènec Torrent foi sempre sublinhada a necessidade de paciência para enfrentar a travessia. É imperativo repetir: o passar de bastão diante de uma Era de Ouro estabelecida é das mais duras tarefas no futebol. A paciência é, no entanto, via de mão dupla. Do universo do clube com o treinador e também do treinador com o clube. Adaptação mútua. Principalmente ao abraçar um trabalho vitorioso. Domènec Torrent não a teve. Afoito em colocar suas digitais no Flamengo, implodiu o time de tal maneira no primeiro tempo diante do Atlético-GO que acabou atropelado nesta quarta-feira em Goiânia. Uma vitória acachapante de 3 a 0, a segunda seguida na defesa do Campeonato Brasileiro, que liga o alerta. Faltou paciência do técnico que contrariou o próprio discurso de mudança paulatina.

Difícil precisar se faltou já humildade ou houve simplesmente pressa em se tornar autor da equipe. Mas Torrent optou já no primeiro jogo, diante do Atlético-MG, em dar suas pinceladas. Montou o time com cinco atacantes ao fim do jogo, uma tentativa de emular Guardiola e acabou por abraçar uma espécie de 4-2-4 desordenado. Pois falta tempo. Há de ser ter paciência com os jogadores. Com o ambiente estabelecido. Com o conforto traduzido no prazer de jogar e conquistar em cada atleta durante a Era Jorge Jesus. Tempo para passar ideias. Convencer cada um. Familiarizar-se com o ambiente. Tempo, tempo, tempo. Algo que o futebol brasileiro, avassalador, não concede. O campeão deve ter resultados de campeão. Em duas rodadas já não os teve, desrespeitando até o dogma de Guardiola, com quem trabalhou e por quem foi referendado. “O título se ganha nas últimas oito rodadas e se perde nas oito primeiras”. O Flamengo tem mesmo deixado de ganhar. Já conta seis pontos a menos do que o líder.

Atlético-GO no início: saídas rápidas para aproveitar falha rival

Sem Rafinha e Arrascaeta nas melhores condições físicas, Domènec Torrent parece ter visto uma ótima oportunidade de dar o seu recado. Mandou a campo um time no 4-3-3, com Rodrigo Caio como dublê de lateral direito. No meio a trinca com Arão mais atrás, Gerson e Everton Ribeiro por dentro e lado ao lado. Nas pontas, colados à linha lateral, Bruno Henrique na esquerda, Vitinho na direita. Gabigol na frente, isolado. Ao atacar, Rodrigo Caio segurava qualquer avanço, posicionando-se como um terceiro zagueiro. Era um Flamengo que ao ser ofensivo contrariava o próprio instinto de movimentação, ataque em bloco, troca rápida de passes verticais para finalizar a jogada. Ao contrário. Bruno Henrique distante de Gabigol, longe da possibilidade de finalizar. Basta lembrar: anotou 35 gols em 2019. Com a mudança tão drástica, o time implodiu. Também por estar fisicamente abaixo. Assim como na estreia contra o Atlético-MG, jogadores com dificuldades de arranque, erros técnicos. Sem capacidade de pressionar insistentemente o adversário. Os 24 dias se jogos depois do Carioca pesam.

Fla no início: espaçado, com Rodrigo Caio meio lateral, meio zagueiro

Do outro lado, Vagner Mancini organizou muito bem o Atlético-GO no 4-1-4-1, preparado para explorar a improvisação de Torrent na vaga de Rafinha. Bolas invertidas e esticadas às costas de Rodrigo Caio foram comuns. O zagueiro, de boa velocidade, tinha dificuldade para cobrir o espaço com os companheiros. Tão pouco tinha ajuda de Vitinho, com enormes dificuldades para o mínimo. Por ali Nicolas, Jorginho e Ferrareis aceleravam para surpreender o Flamengo. Explorar ao máximo uma linha adiantada e desentrosada. Domènec Torrent teve poucos dias para treinar o time antes da estreia. Praticamente um antes da segunda rodada. Tempo, tempo, tempo. Falta tempo. Manter o mínimo das ideias já automáticas de Jorge Jesus seria o simples. Principalmente em um time tão vitorioso. O Flamengo se olhava no espelho e não se reconhecia. Expressões de incômodo. Discussões. Um time geralmente alegre insatisfeito com o seu relexo.

Não tardaria ao dono da casa, sem jogos oficiais desde março, abrir o placar. Esticada rápida de Ferrareis na esquerda, trabalho para pensar e ver Hyuri, rápido, penetrando pelo meio da defesa. Na primeira vez, Diego Alves salvou. Na segunda, dentro da pequena área, era impossível. 1 a 0. Atordoado, o Flamengo insistiu com a defesa avançada, um convite às esticadas às costas, e inoperante na criação. Gerson, mais lento, buscou bolas longas a Bruno Henrique. O Camisa 27 geralmente buscava o centro do campo, atrás dos volantes, para disparar rumo ao gol e tabelar com Gabigol ou finalizar.
Empurrado para a linha lateral, dominava, tentava o drible e tinha dificuldades para encontrar a área. Faltava ali Arrascaeta para iluminar a jogada, achar o espaço necessário. Com imensos problemas e espaçado, o Flamengo continuou a ser inofensivo. Não agredia. Era agredido. Muito mais do que de costume. O time de 2018 tinha característica perigosa que a Era Jorge Jesus exterminou: dar espaços para finalizações da frente da área. Eram raros os momentos. Foram fartos diante do Atlético-GO. Não foi surpresa ver Jorginho pegar a sobra de um escanteio, driblar com extrema facilidade Vitinho, avançar e finalizar no canto esquerdo de Diego Alves. 2 a 0.

Se não tinha ficado claro até então, o estufar da rede atentou Domènec Torrent para o caos que estava estabelecido. O Flamengo avassalador do Brasileiro e da Libertadores era engolido por uma equipe que voltava da Série B. O time se reembaralhou num 4-4-2 com Bruno Henrique e Gabigol mais próximos, Vitinho à esquerda, Everton Ribeiro à direita. Funcionou por um instante e devido a erro adversário: Jean cobrou mal o tiro de meta, Gerson se antecipou e rolou para Gabigol. Frente a frente, bateu cruzado, para fora. Antes do intervalo houve tempo, ainda, de contra-ataque fulminante de Everton Felipe pela direita. O rolar da bola encontrou Ferrareis no meio da defesa e o toque para o gol. O VAR salvou o Flamengo de um resultado ainda mais vexatório.

O segundo tempo forçou Dome a mudar. Tentar um meio-termo entre suas ideias e as de Jorge Jesus. Rafinha substituiu Gustavo Henrique, Rodrigo Caio voltou à zaga central, Vitinho deu lugar a Pedro, a referência. Um 4-2-3-1 com Gabigol à direita, Bruno Henrique à esquerda e Everton Ribeiro por dentro. O catalão tem suas convicções, mas o Flamengo funcionava principalmente com a capacidade de organização de sua dupla de meias, Ribeiro e Arrascaeta, aliada à capacidade de movimentação do ataque, com Gerson auxiliando na chegada em bloco. Ainda com distância entre seus atacantes, o Flamengo melhorou ao trocar mais passes, girar mais o jogo. Mas errava demais. Gabigol na direita fica longe de ser o atacante que é. Buscava o jogo pelo meio, queria a bola em vez de recebê-la no espaço ao dar uma esticada. Precisa do jogo em que troque passes para finalizar.

Atlético-GO ao fim: resultado garantido, time pouco mais atrás

Domènec Torrent manteve seu estilo: tirou um meia, Everton Ribeiro, e pôs outro, Arrascaeta. O uruguaio centralizado rende menos, mas ainda enxerga espaços. Ao dialogar com Gabigol, deixou o atacante na cara de Jean, mas ele finalizou mal, em cima do goleiro. Tecnicamente o Flamengo também estava abaixo. Ao buscar o meio mais uma vez, o atacante tentou alçar bola na área. Rafinha, pela direita, ultrapassava. O time estava adiantado. Na retomada, Ferrareis recebeu bola esticada pelo lado esquerdo, com espaço. Arão, Gerson e Rafinha aceleravam em vão. Rodrigo Caio e Léo Pereira corriam de costas. O meia do Atlético-GO teve mais uma vez aquilo que o time encantou o Brasil não permitia: espaço para arrematar na entrada da área. O chute saiu preciso, no ângulo esquerdo de Diego Alves. 3 a 0.

Fla ao fim: menos um, ainda com um meia e Pedro de referência

Instintivamente, o ritmo baixou. A derrota estava sacramentada. Irritadiço, o Flamengo não gostava de se observar. Tinha ciência da má atuação, da dificuldade de desempenhar funções. Diego Alves, num destempero, agrediu o rival e acabou expulso. Melancolicamente, o segundo jogo de Domènec Torrent à frente do Flamengo terminava com dez jogadores e uma nova derrota, desta vez graúda. Há enormes diferenças para as derrotas iniciais de Jorge Jesus, contra Bahia – com o time esgotado após a batalha contra o Emelec no Maracanã – e contra o próprio time equatoriano fora de casa, quando indicou Rafinha mais adiantado. Ali buscava acertar desacertos. Não tinha um caminho bem trilhado. A atuação em Goiânia foi abaixo das duas da Era Jesus.

É justo que Domènec tenha suas ideias. Seus conceitos. Foi contratado, afinal, por isso. Mas deve entender onde está. O discurso de entender a cultura local e se adaptar deve sair das frases e se tornar real. Ser fiel ao seu próprio discurso. O time permitiu sete finalizações em seu gol. Foi mais agredido do que agrediu. Mais presa do que predador. Um choque muito profundo para quem há um mês atrás estava acostumado a dominar os campos. Para a torcida e para os atletas. O Flamengo deve ter paciência na transição com Domènec. Mas Domènec deve, também, ter paciência com o Flamengo na transição. O avião estava em céu de brigadeiro. A turbulência já é grande e arrisca o voo. A via é de mão dupla.

FICHA TÉCNICA:
ATLÉTICO-GO 3×0 FLAMENGO

Local: Estádio Olímpico, em Goiânia (GO)
Data: 12 de agosto de 2020
Horário: 20h30
Árbitro: Luiz Flávio de Oliveira (SP – Fifa)
VAR: José Cláudio Rocha Filho (SP)
Cartões amarelos: Edson (ATL) e Rafinha (FLA)
Cartão vermelho: Diego Alves (FLA), aos 37 minutos do segundo tempo
Público e renda: portões fechados
Gols: Hyuri (ATL), aos 14 minutos e Jorginho (ATL), aos 31 minutos do primeiro tempo e Ferrareis (ATL), aos 15 minutos do segundo tempo

ATLÉTICO-GO: Jean, Dudu (Moacir, 31’/2T), Éder, Gilvan e Nicolas; Edson; Everton Felipe, Marlon Freitas, Jorginho (Willian Maranhão, 16’/2T) e Ferrareis (Chico, 30’/2T); Hyuri (Matheus Vargas, 35’/2T)
Técnico: Vagner Mancini

FLAMENGO: Diego Alves, Rodrigo Caio, Gustavo Henrique (Rafinha / Intervalo), Léo Pereira e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson e Everton Ribeiro (Arrascaeta, 13’/2T); Vitinho (Pedro / Intervalo) Bruno Henrique e Gabigol (César, 39’/2T)
Técnico:

Os comentários estão encerrados.