(Gilvan de Souza / CR Flamengo)
(Gilvan de Souza / CR Flamengo)
O Mundial passou, os deboches com a eliminação para o Bayern ficaram pelo caminho e o Flamengo voltou ao mundo real. Mais eis a dureza aos adversários rubro-negros: a realidade na América do Sul é de um oceano de distância para a maioria dos rivais. E ela foi apresentada ao São Paulo no Maracanã abarrotado com um 2 a 0 implacável. Pressão e execução em meio a um furacão nos bastidores.
Foram 12 dias sem jogos no universo rubro-negro. Terreno fértil para algumas insatisfações enraizadas há um tempo atrás das cortinas surgirem na superfície. A pressão sobre José Boto e, na véspera, o corte de Pedro entre os relacionados. O que isso tem a ver com o jogo? Tudo. O técnico deve conhecer bem o ambiente pantanoso, entender as vielas de boatos e crises de Ninho e Gávea e atacar o problema com coragem para seguir em frente. Afinal, o Flamengo defendia a liderança do Campeonato Brasileiro, sua prioridade na temporada. Assim o fez.
Com Pedro à beira do gramado, de bermuda e boné, o Flamengo entrou em campo no seu 4-4-2, por vezes alternando ao 4-2-3-1. São meros números de telefone, pois o time, um sistema vivo, se molda assim que a pelota roda. Principalmente ao gosto de Filipe Luís. É um time extremamente móvel, com intensa troca de posições, mas muito bem coordenado, treinado. Sem Gerson, Luiz Araújo é o dono do lado direito agora. Plata flutua por dentro e Bruno Henrique está à esquerda. Arrascaeta, por trás, rege e abastece os três. Mais atrás, Filipe optou pela dupla Jorginho e Allan. Há um misto de força física com inteligência na saída de bola. Invariavelmente havia o revezamento na saída de três. Primeiro mais Jorginho entre os zagueiros. Na segunda etapa, mais Allan. E, acima de tudo, pressão.
Em sua reestreia no comando do São Paulo, Hernán Crespo indicou o que parecia ser um ferrolho para garantir um empate. Três zagueiros, volantes, Oscar e André Silva à frente. Um 3-5-2 que com os retornos por vezes de Enzo Díaz e Cédric pelos lados se transformava em um 5-3-2. Mas não era um time entrincheirado. Tentava sair, pressionar a saída de bola rubro-negra. O problema foi ter um adversário muito mais preparado do outro lado, pronto para exercer justamente a pressão após qualquer perda de bola. O Flamengo, sedento, assumiu o controle do jogo. Teve muito volume. E buscava os lados, pois, aparentemente, o meio estava bem fechado. A insistência pouco dava certo. As bolas alçadas à área produziam pouco. Era mais fácil tentar o meio. Contar com o espaço atrás dos volantes e à frente dos zagueiros, confusos, especialmente Sabino. O Flamengo apostou demais pela direita, com Wesley, na melhor atuação desde a convocação para a seleção brasileira em março, e Luiz Araújo.
Aos poucos os espaços surgiram. O São Paulo, após tentar em vão a pressão na saída rival, acabou empurrado para seu próprio campo. Teve muita dificuldade em sair, sem desafogo pelas características dos jogadores. Não havia velocidade para contra-ataque, tampouco capacidade para pivô. O Flamengo subiu ainda mais. Léo Ortiz – com dificuldades técnicas fora do usual – e Léo Pereira entraram no jogo, subiram ao ataque. O time passou a trabalhar pelos lados e buscar o centro. Luiz Araújo arriscou por cima do gol da entrada da área. Ortiz, por duas vezes, fez Rafael trabalhar com chutes por dentro. Wesley fez o goleiro realizar um milagre. E Plata perdeu gol feito no centro da área após jogada desenvolvida com maestria desde a defesa. O São Paulo estava em apuros, mas sustentou o empate sem gols até o intervalo.
No retorno ao segundo tempo, o Flamengo voltou mais incisivo. No mesmo estilo “pressionante”, como classifica Filipe Luís, mas com facilidade maior na aproximação e nos passes. O São Paulo já dava mais espaços. Era um Flamengo que alternava demais a movimentação. Plata ocupava por vezes as costas dos volantes, Arrascaeta afundava na área, Wesley era acionado no fundo à direita, Luiz Araújo puxava por dentro. Enzo Díaz tinha dificuldades enormes. O gol seria questão de tempo. Saiu justamente da intensa movimentação, da alternância do time de Filipe. Inicia na esquerda, passa por Jorginho, Plata, chega a Wesley e daí até Luiz Araújo para o arremate belo e fatal. Aí valem três destaques.
Jorginho, pela estreia no Maracanã e a capacidade de visão do time. Sem Gerson, a função de ditar o ritmo cabe a ele. Recebe a bola, mapeia o redor, gira, busca passes verticais. E Allan, ao seu lado, voltou ao nível de Atlético-MG e Fluminense. Combativo, calmo, com capacidade de retenção e de fazer a bola rolar com boa saída. E, por fim, Plata. É impressionante a capacidade de gerar jogo do equatoriano. Ocupa espaço pela frente, combate, pressiona, cai à direita, mais recuado. Tem drible, força. É parte essencial para o jogo do Flamengo atual fluir.
A vantagem fez Crespo tentar reagir. Ferreirinha e Bobadilla, depois Ryan Francisco. Oscar deu passos atrás para abastecer a dupla de atacantes. O São Paulo enfim tinha alguma velocidade e capacidade de drible para arriscar o ataque. Mas ficou completamente exposto. O Flamengo passou a dosar energias. Trabalhou bem com os espaços que tinha, parecia ciente de que a partida estava completamente sob controle. Desarmava os são-paulinos com facilidade. Ainda assim o nível tinha abaixado com cansaço. Plata já trotava em campo. Mas não saiu. Filipe fez três trocas. Oxigenou o meio e, na frente, pôs a potência do garoto Wallace Yan. Plata ocupou de vez o meio, Cebolinha assumiu a vaga de um Bruno Henrique – perigoso, veloz e consciente em ótima tarde – e De La Cruz substituiu Jorginho. Com tanto espaço, o gol de Wallace Yan nos acréscimos apenas tornou o placar um pouco mais fidedigno à atuação.
A superioridade foi enorme. Foram 17 finalizações contra cinco. Seis no alvo contra zero. 60% de posse de bola rubro-negra*. O Flamengo segue na liderança do Campeonato Brasileiro mesmo em uma semana diante de fantasmas internos. Filipe Luís foi duríssimo sobre Pedro após a partida. O retorno do Camisa 9 parece improvável. Mas, diante disso, ele apresenta soluções. Um time móvel, com alternância constante no setor ofensivo. Pressão intensa. Mesmo com a saída de dois laterais ainda conseguiu se recompor. Sim, o Flamengo acabou eliminado pelo Bayern no Mundial de forma implacável. Não jogou de igual pra igual. Mas ao voltar à sua realidade, os rubro-negros deram o recado: por aqui, a superioridade continua vermelha e preta.
*Números do app SoFaScore
FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 2X0 SÃO PAULO
Data: 12 de julho de 2025
Local: Maracanã
Árbitro: Wilton Pereira Sampaio (GO – Fifa)
VAR: Bráulio da Silva Machado (SC – Fifa)
Acréscimos: 4’/1T e 6’/2T
Público e renda: 63.330 pagantes / 67.359 presentes / R$ 4.693.377,50
Cartões amarelos: Bruno Henrique (FLA) e Sabino, Alan Franco (SAO)
Gols: Luiz Araújo (FLA), aos 15 minutos e Wallace Yan (FLA), aos 50 minutos do segundo tempo
FLAMENGO: Rossi, Wesley, Léo Ortiz, Léo Pereira e Alex Sandro (Ayrton Lucas, 7’/1T e depois Varela, 7’/2T); Allan, Jorginho (De La Cruz, 37’/2T), Arrascaeta (Wallace Yan, 37’/2T), Luiz Araújo, Bruno Henrique (Everton Cebolinha, 37’/2T) e Plata.
Técnico: Filipe Luís
SÃO PAULO: Rafael, Alan Franco, Arboleda e Sabino; Cédric, Alisson, Pablo Maia (Bobadilla, 21’/2T), Marcos Antônio (Ferreirinha, 17’/2T) e Enzo Días; Oscar e André Silva (Ryan Francisco, 35’/2T)
Técnico: Hernan Crespo