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Cabral, o Maracanã mausoléu e o roubo do espírito do futebol carioca

Maracanã Flamengo Vasco Taça Rio 2017

Maracanã Flamengo Vasco Taça Rio 2017

Entre 2007 e 2008 eu tinha o hábito de telefonar com frequência para Sérgio Cabral, o pai. Colunista do LANCE!, o veterano jornalista era sempre ouvido sobre seu Vasco, clube do qual eu era setorista. Entre uma e outra palavra para a publicação no jornal, trocávamos opiniões sobre os rumos de São Januário e ele frequentemente viajava ao passado para contar uma história saborosa. Naqueles minutos, Cabral pai falava com doçura sobre o Maracanã e chegou a citar brevemente uma ou outra ida ao Templo do Futebol com o filho, então governador do Rio. Geralmente, a doce lembrança era sobre um clássico.

Vascaínos de um lado, rivais do outro, uma cultura civilizatória de arquibancada entranhada na raiz do futebol carioca. Uma década depois, a tristeza com o que se tornou o Maracanã é encharcada de ironia ao constatar que Cabral, o filho, iniciou o processo destrutivo da maior herança cultural do futebol carioca. Entre inúmeros legados nefastos na saúde, na educação e na segurança fluminenses, Sérgio Cabral Filho talvez amargue em sua cela em Benfica, também, a morte da ideia de um patrimônio que unia torcidas, compartilhava sentimentos e dava a todos o direito de chamá-lo de seu.

Em uma era na qual o individualismo supera qualquer ideia de coletivo e o ódio espalhado em redes sociais tenta impedir a convivência entre diferentes gostos, o velho conceito do Maracanã faz falta. Dava aula a pequenos que chegavam de mãos dadas com os pais à arquibancada trajando suas cores, explodindo de alegria nos gols do seu lado e calando-se com amargor com a explosão uníssona do outro lado do gigante. Era possível conviver com o diferente sem odiá-lo. Enxergar outra cor na bandeira sem querer atacá-la. Um aprendizado sobre convivência que Cabral Filho decidiu destruir.

Foi ele, o garoto que ia acompanhado do pai ao velho Maraca para assistir ao Vasco e seus rivais, o responsável por desintegrar a identidade da convivência entre diferentes povos ao entregar sua administração a um esquema de cartas marcadas, com preços exorbitantes que tinham como plano fazer da paixão um negócio lucrativo. Com velocidade surpreendente, a cultura do Maracanã se desintegra no futebol carioca.

O Botafogo busca morada no Nilton Santos, o Engenhão. O Flamengo se refugiou na Ilha do Governador. O Vasco finca seus clássicos em São Januário. E o Fluminense, último resistente, também abandonou o Maracanã com medo de seus custos indecentes. Os clássicos cariocas, sem a cultura do velho Maraca, rumam para a segregação. Talvez exista apenas 5% da carga para rubro-negros no sábado, em São Januário. Impensável no Templo do Futebol.

O Maracanã, solitário, repousa como um mausoléu da bola. Vazio, apenas com ecos do passado. Um símbolo do enterro da cultura da boa convivência entre as torcidas. Da divisão 50/50. Das diversas bandeiras. De cantos, abraços, choros e alegrias. Um espírito carioca. Dos tantos males feitos ao povo da Guanabara, Sérgio Cabral Filho pode dizer que contribuiu com mais um. Iniciou a destruição da ideia de Maracanã. Incitou a segregação em troca de dinheiro. Permitiu o desmanche de uma cultura. Roubou o espírito do futebol carioca.

  • Paulo Delgado

    Maracanã o “Coliseu” brasileiro