Em algumas décadas haverá quem se lembre deste 13 de fevereiro de 2019. Foi um daqueles dias em que um clube justificou a sua grandiosidade. Respeitou a sua essência. Campo adentro, o Club de Regatas Vasco da Gama levou no peito e Cruz de Malta e…o rival. Ali, em meio aos uniformes dos jogadores, uma bandeira rubro-negra tremulava ao lado de outra, vascaína. Símbolo de união diante da tragédia do Ninho do Urubu. Conceder ao maior rival um espaço entre suas cores é atitude digna de um capítulo novo no Clássico dos Milhões. Digna de um Gigante. Agora finalista da Taça Guanabara após a vitória de 3 a 0 sobre o Resende.
Em sua galeria dourada, o Vasco ostenta orgulhos tais como ser o clube a abrir espaço para os negros no futebol brasileiro. Construiu com o esforço de sua gente o próprio território, São Januário. Por anos a fidalguia vascaína acabou sufocada diante de um autodeclarado rei que pensou ter tomado o reino da Colina para si. Promoveu tempos de glória, mas protagonizou o caminho da desgraça que fez baixar sobre São Januário uma sombra que causava aversão aos rivais. Trabalhou pela divisão. Ter um rival era insuficiente. Era necessário odiá-lo. Um clube triste, amargurado. Irreconhecível.
Pois agora o dono da sombra parece um pouco mais longe dos mares navegados pela caravela cruzmaltina. Tempo de retomar a imagem pelo mundo. Um Vasco solidário a tragédias rivais. Sem rancor, ofereceu o peito como abrigo ao Flamengo. Gesto corajoso para os dias atuais. Além dos resmungos externos, parece óbvio o terremoto interno de quem insiste em habitar o início do século passado. Ainda assim, de peito estufado, esteve em campo o Vasco da Gama com sinais rubro-negros. Sem ódio. Bafejado pelos ventos atuais. Com a alma livre.
A dose pareceu tornar até mesmo o Vasco de Alberto Valentim mais leve. Entrou em campo sem a insegurança do confronto com o Juazeirense, pela Copa do Brasil. Ao contrário. Trajado de preto como em grandes momentos da sua História, o Vasco teve o apoio de pouco mais de oito mil torcedores, resistentes até à confusão da federação com a prefeitura. O vendaval não assolou ao Maracanã. O que se viu foi um Vasco feliz. Orgulhoso de si não só pela bola, pela classificação. Mas, sim, pelo retorno sua alma. Em paz.
Háverá outros dias em que nos debruçaremos sobre análises táticas, técnicas, mentais. Sobre os gols de Lucas Mineiro, Yago Pikachu e Marrony. A tentativa do Resende em jogar o campo vascaíno, cruzar os bigodes como se grande fosse até levar o baque. É, porém, o momento de celebrar um sinal raro nos últimos tempos. Em um clássico geralmente marcado pelo pavor que o ódio pode gerar, com brigas em vão que também criam tragédias e levam vidas, viu-se ali a manifestação de um rival a outro desde o primeiro minuto da tragédia. Uma oferta de ombro aos rubro-negros combalidos pela sombra que os engoliu há quase uma semana. Treinos cancelados, manifestações públicas. Uma sequência de gestos até culminar no abraço definitivo, com o rubro-negro se fundindo, literalmente, no peito vascaíno. Na dor, a fé de que uma nova compreensão seja possível sobre o futebol. Gigante. Corajoso. Seguro. Dez corações infantis tornaram-se eternos na tragédia do Ninho do Urubu. No Maracanã, com o peito rubro-negro por uma noite, o Vasco justificou por que sempre será imortal.
FICHA TÉCNICA
VASCO 3X0 RESENDE
Local: São Januário
Data: 13 de fevereiro de 2019
Horário: 21h30
Árbitro: Rodrigo Nunes de Sá (RJ)
Público e renda: 8.367 pagantes / 9.184 presentes / R$ 226.080,00
Cartões Amarelos: Jeaderson e Vitinho (RES)
Gols: Lucas Mineiro (VAS), aos 14 minutos e Lucão (RES), aos 33 minutos do primeiro tempo e Marrony (VAS), aos 17 minutos do segundo tempo
VASCO: Fernando Miguel, Raúl Cáceres, Werley (Luiz Gustavo, 34’/2T), Leandro Castán e Danilo Barcelos; Raul (Bruno Cesar, 25’/2T) e Lucas Mineiro; Yago Pikachu (Lucas Santos, 26’/2T), Thiago Galhardo e Marrony; Maxi López
Técnico: Alberto Valentim
RESENDE: Ranule, Filipi, Rahyne, Lucão e Jeanderson; Joseph (Zambi, 24’/2T), Léo Silva, Vitinho (Jackson, 37’/2T) e Arthur Faria; Davi Ceará (Valdeci / Intervalo) e Maxwell
Técnico: Josué Teixeira