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Além da fantasia: um Flamengo real arranca vitória histórica sobre o Vélez na Argentina

Gabigol gol Vélez Sarsfield estreia Libertadores 2021 Flamengo

(Marcelo Côrtes / Flamengo)

Gerson Vélez Sarsfield Libertadores 2021 estreia Flamengo

(Marcelo Côrtes / Flamengo)

O Flamengo de Jorge Jesus estabeleceu um padrão imaginário na cabeça de vários torcedores. O time vencedor, eficiente na defesa, avassalador no ataque e encantador na plasticidade mostrou um mundo quase perfeito. Em apenas um ano abocanhou mais títulos do que sofreu derrotas. Sabe-se lá o porquê inúmeros rubro-negros consideraram o ano de 2019 regra. Mas a realidade avisa o contrário já há algum tempo: foi exceção. Ainda que basicamente com os mesmos jogadores, o atual Flamengo é mundano. Real. Apresenta falhas. Virtudes. Mas proporciona momentos ainda de deleite. Históricos até. É o que se pode observar ao analisar a vitória, de virada, por 3 a 2 sobre o Vélez Sarsfield, na estreia na Libertadores. A primeira na Argentina depois de duas décadas. Há falhas. Há correções. Existem preocupações. Mas o presente, por enquanto, apresenta saldo positivo.

Vélez no início: proteção pelo meio, cinco alinhados e saídas rápidas

Rogério Ceni deve e merece ser criticado por conta da fragilidade defensiva da equipe. É um sistema que não consegue entregar resistência eficaz a um adversário minimamente competitivo. Arriscam-se assim jogos e competições, principalmente em mata-mata. Mas novamente: é um sistema. Não se trata de determinado jogador. Da mesma maneira o time tem sido agressivo, vai à frente, tenta dominar o jogo. Avança, quer ser protagonista e não negocia essa característica. Mesmo na Argentina, contra um argentino, na Libertadores. Indicar dependência de individualidades ofensivas para desmerecer o trabalho do técnico parece incoerência. Mas ainda não se encaixa. Tem dificuldades na retomada organizada para a defesa. Por isso sofreu na Argentina. E, de novo, saiu atrás.

Mauricio Pellegrino demonstrou ter entendido o Flamengo de Ceni. Congestionar o meio, causar dificuldades para o rival ir ao fundo pelos lados. Montou, então, uma equipe basicamente num 3-4-3. Ao defender, cinco jogadores alinhados impediam os avanços com fartura de espaços de Bruno Henrique pela esquerda e Isla pela direita. Na saída, agilidade com os alas Guidara e Ortega, ao acionar rapidamente Almada e Janson. Marcação agressiva para dificultar a saída de bola rubro-negra. Era um adversário indigesto, com ótima campanha no campeonato nacional. O Vélez, técnica e taticamente, já se apresentava como maior desafio aos brasileiros no Grupo G.

Fla no início: dificuldade de ir ao fundo e Diego dono do meio

Ceni mandou a campo o Flamengo uma vez mais no 4-4-2 já tradicional. Ao lado de Arão, o grandalhão Gustavo Henrique na defesa. Curioso, já que o próprio treinador dias antes, após o empate com a Portuguesa no Carioca, admitia que o Vélez não tinha jogadores de alta estatura e prezava por um jogo agressivo, com velocidade. Mais ao chão. Precisaria, então, de defensores rápidos para tentar acompanhar os ataques. Faz parte da estratégia deste Flamengo correr riscos ao tentar ter a iniciativa do jogo e ocupar o campo rival. Ainda que o risco seja parte da estratégia, o time se expõe em demasia. Erra demais. E sobrecarrega, por exemplo, Diego. O Camisa 10 foi o melhor em campo. Intenso, desarmou, tentou acelerar o jogo, dominou o meio. Parecia um volante de 23 anos, não um veterano de 36 anos. Mas cabe a Diego acelerar o jogo e sincronizar com a defesa com o apoio, por exemplo, de Gerson. Mais afundado pelo meio, dando combate na saída de bola rival, o Camisa 8 tem contribuía pouco ao ocupar o campo defensivo, até mesmo para ajudar a recuperar a bola nos contra-ataques. Considerado um meio de campo total, ele ocupava apenas parte.

O Flamengo então tinha a bola, controlava mais o ritmo com Diego, mas tinha dificuldades para entrar de fato na área. O Vélez, afinal, era bem eficiente ao fechar o espaço a partir da intermediária. Trancava o meio e os fundos pelos lados do campo. Forçava, então, cruzamentos rubro-negros pouco produtivos da intermediária. O panorama era mais carioca. Mas a fragilidade defensiva do time de Rogério mostrou sua cara rapidamente. Contra-ataque fulminante, com Lucero acionado e avançando às costas de Filipe Luís, que ainda retornava pelo meio. Com espaço farto, entrou na área e deu corte simples e suficiente para desabar Gustavo Henrique no chão. Gerson abandonou Janson ao vê-lo arrancar para a área e Arão não conseguiu antecipar a cruzamento, meio torto, desequilibrado no desarme. O toque rasteiro venceu Diego Alves. 1 a 0

O gol abateu o Flamengo. Antes parecia mais intenso, mais combativo e concentrado. Passou a conceder maior quantidade de espaços ao Vélez, que avançou o posicionamento. Mas nesta noite o time argentino mostrou também limitação. Pouco soube aproveitar o momento em que Diego parecia um lutador solitário no time rubro-negro, ao desarmar, apertar, pressionar os argentinos. O Vélez jogava a Libertadores, com pancadas se necessário. O prório Camisa 10 sofreu bem. Gabigol, arisco, alternava lados do campo, perturbava os defensores por dentro. Lutava. Arrascaeta, mais à esquerda, passou a aproveitar raros espaços às costas do nervoso Cáseres e de Galdames. A presença ofensiva de Gerson também cresceu pelo setor. Na batida de escanteio, o rebote caiu nos pés do volante. O lindo corte para dentro abriu a luz para Arão, livre na área. O passe foi perfeito. A finalização tão boa quanto, com frieza. 1 a 1. O choque moral invertera. Agora era o Vélez, ainda atordoado com o empate, a ceder mais espaços. E Gerson, de novo pelo centro, serviu mais uma vez um companheiro à direita. Everton Ribeiro, sozinho, desmarcado, frente a frente com Hoyos, desesperado ao sair do gol. O toque sutil por cima exagerou na plasticidade e a bola saiu ao lado da trave com requintes de crueldade. No geral, o Flamengo apresentara melhores momentos. Agredira mais. Mas a virada não chegou.

Ceni manteve o time depois do intervalo. Ajustou um pouco do posicionamento. Trouxe Arrascaeta um pouco mais para o centro, mais próximo de Gabigol. E Isla entendeu que de nada adiantava buscar um fundo de campo que não existia. Em vez de correr com o vigor físico e a carreira de ala lhe proporcionaram, passou a optar por bolas para o centro. Mesmo com vários erros técnicos, a mudança foi importante. Atrás dos volantes, onde estavam principalmente Arrascaeta e Gabigol. Porém, de novo a fragilidade defensiva entrou em campo e estremeceu um time que começara bem. Cobrança de escanteio pela direita, Gianetti subiu mais do que Gustavo Henrique e sua estatura. Tocou de volta à primeira trave para Janson, de cabeça, vencer Diego Alves. Filipe Luís dava condição. 2 a 1. O mérito rubro-negro foi insistir no ataque e na fórmula de buscar os decisivos Arrascaeta e Gabigol. Trabalhar pelos lados e buscar o centro, pelo chão. Foi o que fez Isla.

Vélez ao fim: um a menos e sem força para buscar o empate

Avançou, cortou para dentro e tocou em Arrascaeta, que errou o domínio, mas a bola sobrou para Gabigol. Ele dominou, passou pelo zagueiro e só não driblou Hoyos porque acabou derrubado. Pênalti bem assinalado e cobrado com frieza tradicional. 2 a 2 e 75 vezes Gabigol na rede pelo Flamengo. O Vélez então perdeu a consistência defensiva que apresentava. Lançou-se mais ao ataque, tentou sair para guerrear com o Flamengo. É preciso não só coragem como qualidade para se resguardar. Arrascaeta mostrou ser simples, discreto e objetivo como sempre. Um quê de genialidade ao achar espaços em campo. Primeiro ao lançar Gabigol no mano a mano com Brizuela quase sem observar, ainda do campo defensivo. O Camisa 9 arrancou e perdeu a chance de encobrir Hoyos, que saiu bem e fechou o ângulo, impedindo o terceiro gol.

Fla ao fim: Arrascaeta ocupando o centro e Pedro apenas cinco minutos

A essa altura Pellegrino já havia trocado Almada, amarelado e pouco inspirado, por Orellano. Mas seguiu a descuidar da área central. Era o oposto do primeiro tempo, quando fechou tão bem o meio e impediu o avanço pelo fundo. Mas deveria ali ser extremamente organizado. O Flamengo quando avança apresenta muitas opções de qualidade. Isla, de novo, chegou na intermediária e não cruzou. Tentou o toque por dentro para Gabigol. Abram errou a antecipação e a bola sobrou para Arrascaeta. Teve ali seu latifúndio para trabalhar, de frente para o gol. Ajeitou o corpo, armou o chute de canhota e acertou uma patada no ângulo esquerdo de Hoyos. A virada. 3 a 2 e o urro rubro-negro no José Amalfitani. Não restava ao Vélez outra alternativa ao não ser tentar o empate, ainda que de forma aleatória, com bolas longas. O Flamengo, já melhor postado na defesa, tinha Bruno Viana no lugar de Gustavo Henrique. Um pouco mais de velocidade na defesa e maior tranquilidade com o placar favorável.

Pellegrino colocou em campo Mancuello para o temor de rubro-negros com a lei do ex. Desde já ficou clara a estratégia: lançamentos e bolas alçadas à área. Deu errado em minutos pela imprudência do ex-meia do Flamengo. Um bote à la Rodinei em Gabigol no meio de campo, desnecessário. Vermelho direto. O jogo, então se aquietou. Com um a menos, os argentinos já não mostravam capacidade de buscar o empate. Rogério só a partir daí s esentiu mais à vontade para modificar a equipe. Colocar Pedro em campo apenas a cinco minutos do fim soou mais como ideia atrasada. Ainda assim, o atacante recebeu boa bola, avançou pela direita e bateu forte para defesa de Hoyos. É sempre uma opção de perigo que, por sorte, o Flamengo pôde abrir mão por 85 minutos na noite de estreia. É um time real. Com virtudes e defeitos. Como seu técnico.

Rogério Ceni tenta aprimorar sua ideia. Por vezes é compreensível que se questione a escolha de Arão, fixo na defesa sem que volte ao meio nem em circunstância de jogo. A titularidade inquestionável de Everton Ribeiro. Por mais que dê opções, faça o combate pela direita e cumpra papel importante está longe dos tempos de brilho técnico. E Pedro, talvez o melhor finalizador do elenco, não pode ser opção para meros cinco minutos em partida tão importante e disputada. Mas Diego, revigorado na nova função, foi o melhor em campo, Arrascaeta achou espaço por dentro, a saída de três com Filipe Luís, Arão e o zagueiro de ofício – nesta noite Gustavo Henrique – funciona melhor. Defeitos e virtudes.

Foi um Flamengo com 57% de posse de bola, cinco finalizações no gol contra duas argentinas e poder para se recuperar após duas vezes atrás no placar. Precisa melhorar, funcionar como um organismo completo, não apenas em fases que não se encaixam continuamente e permitem brechas aproveitadas facilmente pelos adversários. Há um trabalho em construção. Há margem e necessidade de evolução. Duas décadas depois o Flamengo voltou a vencer na Argentina e arrancou bem na Libertadores. A excelência absurda de 2019 foi exceção. O time atual está além da fantasia. Nada tem de fábula. Mostrou ser real. Com defeitos e virtudes. E segue com vitórias, taças e a traçar linhas na História. Há quem se incomode. O saldo no presente, por enquanto, é positivo.

*Números SoFaScore

FICHA TÉCNICA
VÉLEZ SARSFIELD 2X3 FLAMENGO

Local: Estádio José Amalfitani, em Buenos Aires
Data: 20 de abril de 2021
Árbitro: Vilmar Roldán (COL – Fifa)
VAR: não houve
Público e renda: portões fechados
Cartões amarelos: Santiago Cáseres, Lucero, Hoyos, Almada, Galdames (VEL) e Diego Alves, Gustavo Henrique, Bruno Henrique, Diego (FLA)
Cartão vermelho: Mancuello (VEL), aos 40 minutos do segundo tempo
Gols: Janson (VEL), aos 20 minutos, Willian Arão (FLA), aos 42 minutos do primeiro tempo; Jason (VEL), aos oito minutos, Gabigol (FLA), aos 17 minutos, Arrascaeta (FLA), aos 34 minutos

VÉLEZ SARSFIELD: Hoyos; Gianetti, Abram, Brizuela (De La Fuente, 44’/2T); Guidara (Monzón, 44’/2T), Santiago Cáseres (Mancuello, 38’/2T), Galdames e Ortega; Almada (Orellano, 27’/2T) Lucero e Janson
Técnico: Mauricio Pellegrini

FLAMENGO: Diego Alves, Isla, Willian Arão, Gustavo Henrique (Bruno Viana, 27’/2T) e Filipe Luís; Diego, Gerson (Hugo Moura, 42’/2T), Everton Ribeiro (Vitinho, 48’/2T) e Arrascaeta; Bruno Henrique (Pedro, 42’/2T) e Gabigol
Técnico: Rogério Ceni

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