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Assim diz a sina: Flamengo de novo busca o improvável e bate Vasco para levar a Taça Rio

Flamengo campeão Taça Rio 2019

(Alexandre Vidal / Flamengo)

Ainda que o cronômetro indique ser improvável a taça mudar de mãos, não há rubro-negro que a considere perdida. Não há vascaíno que a considere conquistada. Uma impressão marcada na mente. No ânimo. Na fé. Pois o vascaíno, um tanto descrente, parece irritado com aquela presunção de quem, do outro lado do estádio, parece convicto que o final será, uma vez mais, feliz. É sina. Instituída de forma quase indelével através de décadas nos confrontos que valem uma taça entre Vasco e Flamengo. De novo, o improvável aconteceu. Uma vez mais, o trofeu jogou-se nos braços rubro-negros. Abalou como em tantas vezes a relação com os céus de um lado. Reforçou, uma vez mais, a crença de outro. Uma pancada certeira na rede após os 40 minutos do segundo. Poderia ser a história de Valido. De Rondinelli. De Petkovic. Até de Márcio Araújo, ainda que por vias tortas. Foi de Giorgian Daniel De Arrascaeta. 1 a 1 no último suspiro. E o que viria depois seria apenas um script de uma sina.

Absolutamente em transe, garantindo ser impossível que aquilo se repetisse, a torcida vascaína pulava no Setor Sul do Maracanã. Uma massa cruzmaltina pulsante que fazia frente à rival, geralmente dominante absoluta em clássicos cariocas. A rubro-negra, no setor Norte, estava mais calada. Não por descrença. Por fé. Era comum ver mãos juntas, camisas rubro-negras ajoelhadas, esperando aquele sinal divino. Então Bill cruzou. Arrascaeta, pequenino entre os grandalhões, em tarde de insucessos seguidos, saltou certeiro. Estrela de quem costuma estar destinado a traçar linhas definitivas de jogos. A rede estufou, a massa rubro-negra explodiu. A cruzmaltina, atônita num viagem instantânea do transe de felicidade ao choque, entendeu. Lá estava a sina. A maldita sina de novo a castigar gerações de vascaínos e abençoar outras de rubro-negros. Há algo de poético no misto de emoções de um estádio. Ali, em um caldeirão, um antagonismo de sentimentos quase palpável. O silêncio contra o urro. O alívio contra a dor. O amargor de uma derrota iminente. A exuberância de uma alma confiante em uma conquista. Molda vidas. Constroi caráter de um torcedor.

Vasco no início: Bruno Cesar pouco efetivo, Lucas Mineiro muito acionado

Não é exagerado dizer que uma simples Taça Rio fez nascer ali mais um capítulo para guardar no capítulo do Clássico dos Milhões. Turno, campeonato, disputa continental. Nada vale mais do que a rivalidade que explode a olhos vistos. Talvez o Flamengo tenha colocado em risco tudo isso ao escalar um time de reservas. Mas o Flamengo é, hoje, um time com alma. Seja qual for. Luta, briga, não desiste. Há um mérito de Abel Braga, afastado por um problema cardíaco, nisso. Clássicos são mais do que jogados. São disputados. E os dois times disputaram. Verdade que o primeiro tempo carregou um tanto de burocracia. O Flamengo no 4-2-3-1, com o trio Vitinho, Lucas Silva e Arrascaeta atrás de Uribe, pouco incomodava. O camisa 11 trocava de lado, ia da esquerda à direita, tentava criar jogadas. Mas o time estava descompassado. Não tinha a organização do encontro com o mesmo Vasco na fase de grupos. Nem a agressividade que o titular demonstra em 2019, talvez muito em conta da falta de organização. E da jovialidade. Dos 20 jogadores relacionados, 14 eram garotos do Ninho.

No início, Fla com espaço no meio e dependente de Vitinho no ataque

O Vasco, mais maduro em seu todo, apresentava um jogo, uma vez mais, muito aquém de sua grandiosidade. Mesmo diante de um rival enfraquecido, com jogadores reservas, não se dispôs a comandar o time. Também no 4-2-3-1, a equipe de Alberto Valentim tinha até espaço no meio para avançar, principalmente com Lucas Mineiro e Bruno César. Mas é viciado em buscar os lados para que Cáceres e, principalmente, Danilo Barcelos alcem bolas na área. Buscam a referência. Se não de Maxi López, do guri Tiago Reis, oportunista e incômodo. Um time que utiliza demais bola longa – foram 34 lançamentos no jogo. Pouco. Talvez por isso mesmo com o Flamengo tímido demais na maior parte do tempo, o Vasco tenha permitido ao rival ter duas boas chances antes do intervalo. Dois chutes de Vitinho, o segundo salvo por Fernando Miguel após bom lançamento de Trauco.

Ao fim, um Vasco mais recuado, ainda incerto sobre a vitória nas mãos

A rigor, a festa da arquibancada, com uma guerra de gogó entre as torcidas, foi o melhor do primeiro tempo. Provocações mútuas. No miolo do estádio, camisas cruzmaltinas e rubro-negras misturadas, sem indício de confusão. Haveria de ser um clássico a ficar marcado num panorama tão favorável. O segundo tempo, ao menos, trouxe um Vasco mais ousado, disposto a buscar o resultado. Acelerando com Rossi e Marrony, da ponta para o meio, encostando em Bruno Cesar e aproveitando o espaço deixado pelos volantes rubro-negros, Ronaldo e Hugo Moura, ambos em tarde abaixo do esperado apesar da luta. Por dentro, Marrony chutou para César espalmar. Do escanteio cobrado por Danilo Barcelos, a boa antecipação de Tiago Reis a Uribe, abrindo o placar. 1 a 0.

Ao fim, um Flamengo de garotos avançado, com alma, atrás do empate

A explosão vascaína parecia indicar que a sina, enfim, teria fim. Na cabeça de um garoto que não tem sequer idade para lembrar do tricampeonato consecutivo entre 99 e 2001 que deu origem ao desespero de algumas gerações. Então, o Vasco recuou. Chamou o Flamengo, buscou apenas o contra-ataque em vez de se defender com a bola nos pés. Ainda que de forma desorganizada, o Rubro-Negro respondeu ao convite. Primeiro colocou em campo Vitor Gabriel. Depois, Leomir sacou Thuler, em boa partida, com segurança no jogo aéreo e eficaz na saída de bola, mas amarelado, para a entrada de Bill, que abriu à direita. Vitinho permaneceu à esquerda, mas entrava na área quando Arrascaeta deixava o meio para ir ao seu habitat. Ao Vasco, com duas trocas por lesão ainda no primeiro tempo, coube apenas a troca de Bruno Cesar, lento e disperso, mas com bom passe, para a entrada de Galhardo, velocista que carrega a bola. Perdeu ótima chance de matar o jogo, ao chutar em cima de Rhodolfo. Poderia ter posto fim a uma sina incômoda. Não o fez. Na arquibancada, o lance despertou sentimentos opostos.

Ainda que estivesse pouco organizado e lançado ao ataque, o Flamengo mostrava entrega. A tal alma. Pulsava em campo no ritmo da arquibancada. Vivia o jogo. O Vasco se encolheu. Entregou campo, pareceu resignado. Ou entender que o destino ali já fugira de seus pés. O trio Trauco, Vitinho e Arrascaeta já se entendia melhor pela esquerda. O Flamengo mantinha pressão no campo rival. Também abusou de bolas alçadas na área – foram incríveis 37 cruzamentos. Mas, desta vez, um deles deu certo. Talvez por que o lateral de Rodinei não viajou diretamente à área. Foi a Bill. Em seu primeiro clássico no profissional, o garoto não mostrou estar intimidado. Talvez por saber das histórias. Acreditar. Ter fé. Há a sina. Quando o cruzamento, preciso, saiu dos pés do garoto, o Maracanã prendeu o fôlego. Aqueles breves segundos em que tudo parece se confirmar. O vascaíno, incrédulo, parecia ver a bola na rede. O rubro-negro, eletrizado com a energia que emanava, já se preparava para explodir. Arrascaeta surgiu. A bola morreu na rede. E o restante, de novo, acompanhou a História.

Poderia falar aqui um tanto mais de tática. Da escolha de Alberto Valentim em ter um Vasco baseado em contra-ataque mesmo diante de um bando de guris, que teve 54% de posse de bola. Poderia falar de técnica: Arrascaeta errou quase tudo que tentou, de passes a finalizações. Poderia abordar as 18 finalizações* rubro-negras contra 12 vascaínas. Poderia até lembrar que havia uma decisão por pênaltis. Mas ainda que tudo indicasse ser improvável uma reviravolta. Não havia um vascaíno que desse a taça como garantida. Não havia um rubro-negro que a desse como perdida. Assim diz a sina.

*Números do app Footstats Premium

FICHA TÉCNICA
VASCO (1) 1X1 (3) FLAMENGO
Local: Maracanã
Data: 31 de março de 2019
Árbitro: Rodrigo Nunes de Sá (RJ)
Público e renda: 34.776 pagantes / 38.787 presentes / R$ 1.361.328,00
Cartões amarelos: Werley, Bruno Cesar e Lucas Mineiro (VAS) e Trauco, Thuler e Vinícius (FLA)
Gols: Tiago Reis, aos nove minutos e do primeiro tempo e Arrascaeta (FLA), aos 48 minutos do segundo tempo

VASCO: Fernando Miguel, Cáceres, Werley, Leandro Castan (Ricardo Graça, 21’/1T) e Danilo Barcelos; Bruno Silva (Raul, 43’/1T) e Lucas Mineiro; Rossi, Bruno Cesar (Thiago Galhardo, 27’/2T) e Marrony; Tiago Reis
Técnico: Alberto Valentim

FLAMENGO: Cesar, Rodinei, Thuler (Bill, 39’/2T), Rhodolfo e Trauco; Ronaldo (Vinicius, 43’/2T) e Hugo Moura; Lucas Silva (Vitor Gabriel, 25’/2T), Arrascaeta e Vitinho; Uribe
Técnico: Leomir

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