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Gilsão, a rampa e a serra

Gilson Ricardo Rádio Tupi

Gilson Ricardo Rádio Tupi

Fecho os olhos agora e ainda lembro dos passos apressados de guri subindo a rampa que dava acesso ao prédio do segundo grau na época. Eram meados de 1996. Uma manhã fria em Petrópolis, quase como via de regra. Mãos para dentro do casado de moletom. Queria pegar um lugar legal no auditório do prédio inaugurado meses antes. Para minha absoluta surpresa um ídolo brotou ali no colégio para uma palestra e fomos avisados pela diretoria, Tia Lúcia, ainda na sala de aula, no prédio do primeiro grau.

Poderia até ter passado por ele sem reconhecer. Coisas de tempos sem internet, celular. Gilson Ricardo e Pedro Costa, apresentador e comentarista do Panorama Esportivo da Rádio Globo, falariam com a gente. Para muitos seria uma ótima desculpa para matar aula. Eu queria demais materializar os rostos nas vozes tão constantes que eu ouvia em todas as noites frias no meu radinho Aiwa (com alto-falante!), presente do meu pai. Principalmente Gilsão.

O rádio sempre teve disso. Talvez as novas gerações não entendam. Talvez os podcasts emprestem um pouco disso. Vozes que se transformavam em amigos. Davam intimidade. E Gilsão, descontraído, debochado, fazia isso como ninguém. Para um garoto fissurado em futebol nos anos 90, ainda sem internet, o rádio era tudo para se manter informado, receber as notícias do dia a dia, ouvir os jogadores. E toda noite lá vinha Gilsão a chamar os trepidantes. Elso Venâncio no Flamengo. Rui Fernando no Vasco. Pierre Carvalho no Fluminense. Gustavo Adolfo no Botafogo. Ria, contava piada. Falava sério. Era programa obrigatório. De repente a voz se materializava ali na frente, no auditório. Gilsão me surpreendeu. Era dali. Da serra.

“Nos tempos de garoto corria pela Dezesseis de Março e derrubava as cortinas à venda do Seu Fulano por aqui”, e soltava a gargalhada característica.

Achei demais. Alguém dali. Da serra. Ganhando o mundão, dentro do mundo esportivo. Ao lado do Garotinho, do Apolinho. E brotou de vez a semente de entrar no jornalismo esportivo, ainda que eu mal soubesse de fato. Gilson foi um enorme companheiro durante grande parte da vida. Íntimo, sem qualquer intimidade real. É o que faz o rádio. Cansei de descer a serra, vidros abertos para curtir a brisa da tarde, rádio com o volume nas alturas ouvindo a resenha no Enquanto a Bola Não Rola. Gilsão estava lá. Eu, meu pai, Arthur, Araújo e o grande Pudim íamos ouvindo até chegar ao Maracanã.

Anos mais tarde, na faculdade, ainda com grana curta para bancar uma internet ou tv por assinatura, o rádio salvava no dia a dia e sempre nas transmissões de jogos, estivesse assistindo em uma tv alheia ou não. Gilsão estava lá. Já no LANCE!, na saída de redação à noite, o Panorama Esportivo seguia sintonizado. E assim foi por anos.

Nunca tive o prazer de trabalhar com Gilsão. Cruzei com ele no Maracanã por vezes, cumprimentei, mas jamais lhe contei sobre aquele dia no auditório do colégio na nossa Petrópolis. A notícia da morte de alguém que parecia tão íntimo bateu forte. Foi um baque. No dia seguinte, Arthur, o amigão das idas ao Maracanã com o rádio no volume mais alto na serra, mandou email – detesta WhatsApp – lá da Alemanha, onde vive atualmente.

“Escrevo hoje com uma tristeza braba com a morte do Gilsão. Pouco a pouco as ligações com o nosso passado vão se arrebentando. Ontem ainda ouvi o Bola em Jogo…”, diz um trecho, com melancolia.

E quantos não estamos com essa tristeza braba. Gilsão não está mais por aí. O prédio da palestra dos anos 90 tampouco, Arthur. A tragédia da chuva o varreu do mapa no ano passado. Tudo dói. Mas posso fechar os olhos agora e subo a rampa. Ouço a gargalhada. A vinheta do Panorama num áudio robotizado de um rádio AM noventista. O explodir do Maracanã. Sinto um mundo menos caótico, menos acelerado. Sem internet. E a torcida explode no fundo da latinha, lá do velho Maraca. E ainda dá pra ouvir bem claramente o Gilsão…

“Alô, galera do Fluzão! Alô, galera do Vascão! Alô, galera do Mengão! Alô, galera do Fogão! Faz a festa, faz a festa! Queeeeee zoeeeeeeeiraaaa!”

Vá em paz, companheiro.

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