Jogos irregulares despertaram questionamentos sobre o real peso do elenco do Flamengo em 2019. Dúvidas surgiram na arquibancada a cada desfalque e substituição. A não ser que a análise aborde um panorama do futebol mundial, com comparações até com times da Champions League, parece ser baseada em fatos a defesa de que o elenco rubro-negro é, sim, respeitável para os padrões sul-americanos. Um passo a mais nessa direção foi dado neste domingo, um 2 a 1 até tranquilo sobre a Chapecoense no Maracanã. A rigor, dos jogadores que estiveram em campo apenas Rodrigo Caio consta entre os titulares inquestionáveis de Abel Braga atualmente.
É justo dizer que o técnico, aliás, teve o retorno de um provável titular: Diego Alves. Depois de três partidas e meia de ausência devido a uma lombalgia, ele cumpriu boa jornada, apesar de pouco exigido – fez uma excelente defesa – e nada pôde fazer no gol sofrido no apagar das luzes. Seria injusto, porém, ignorar a segurança apresentada por César nos jogos em que esteve na meta rubro-negra. No campo utópico da justiça, a vaga estaria no mínimo aberta. Mas só a sequência da temporada nos vai revelar o que pensa Abel. Por enquanto, o técnico reforçou a ideia de revezar o elenco, evitando o desgaste físico que fez minguar o jogo rubro-negro em 2018. Uma prática que só consegue a sustentação como resultados. Por enquanto, eles vieram. O Flamengo basicamente não correu riscos diante da Chapecoense no Maracanã.
No domingo do Dia das Mães e sob calor impróprio para a prática do futebol, Abel mandou o time a campo no mesmo desenho, um 4-2-3-1, com um meia pelo centro, desta vez Diego, mas pontas rápidos pelos lados. Um jogo que parece cair ainda mais ao estilo do treinador. Presença intensa combinando estilos. À esquerda, um lateral – Trauco – com técnica e passe refinados ao lado de um ponta driblador – Vitinho. Do outro, dois estilos semelhantes: força e velocidade com Rodinei e Berrío. Interessante notar que a característica poderia indicar um jogo mais direto, com bola esticada, buscando a velocidade. Ocorre que a Chapecoense não pretendia ceder espaços ao Flamengo. Fechava-se em um 4-1-4-1 apenas com Everaldo à frente, buscando o bote na saída de bola rubro-negra e, sem sucesso, tentava se retrair. O time da casa, no bafo do clima e da arquibancada, ajustou-se ao adversário nos minutos iniciais: bola ao chão, de pé em pé, com saída eficiente principalmente pelos pés de Rodrigo Caio. Aí vale um parêntese.
Contratado com certa desconfiança depois de ano apagado no São Paulo, Rodrigo explica o porquê de ter sido cotado para o futebol europeu e ter colecionado passagens pela Seleção Brasileira. Aparece em seu melhor estilo: apresenta velocidade, antecipa bem as jogadas e tem técnica acima da média para iniciar o jogo, desafogando os volantes e laterais. Por vezes tenta o passe vertical e pode até pecar nisso – contra o Peñarol errou até duas bolas fáceis, apesar da ótima atuação. Não foram poucas as vezes em que cortou um atacante da Chapecoense, protegeu a pelota e saiu com ela limpa à frente ou servindo um companheiro. O jogo ganha maior fluidez. Ao sair com boa troca de passes, o Flamengo tinha uma Chape desarrumada nas costas. Conseguia, portanto, espaço para aplicar velocidade. Assim chegou ao primeiro gol, em puro talento. Piris virou o jogo, achando Diego à esquerda, Trauco fez as vezes de meia, caiu por dentro e recebeu a redonda. Deu lançamento caprichadíssimo, entre a defesa, para deixar Vitinho na área. No acerto da passada, o camisa 11 bateu rasteiro na saída do goleiro. 1 a 0 em minutos. Jogo confortável. Não fosse o calor.
A busca do Flamengo por imprimir um ritmo forte ao jogo acabou por sucumbir na reta final do primeiro tempo – e, nisto, é impossível ignorar o horário muito precoce e o calor forte. Houve uma alternância de ritmos. A Chapecoense, dominada na maior parte, passou a dar botes com mais facilidade no campo rival, acelerando o jogo. Pecava, porém, por pura limitação técnica. O passe final invariavelmente falhava. O que não faltava ao Flamengo. Mesmo quando o jogo melhor fluiu, o time apresentou o mesmo estilo da equipe titular. E uma característica que chama atenção: a fartura de bolas que o lateral-direito recebe. É assim com Pará, foi assim com Rodinei neste domingo. São estilos diferentes, mas a equipe trabalha para dar o último passe ao seu lateral-direito. Rodinei, por vezes, acelerou fácil nas costas de Bruno Pacheco. E colecionou decisões erradas. Passes rasteiros que deveriam ir por cima ou vice-versa.
O Flamengo foi bem superior na primeira etapa, terminou com 62% de posse de bola. Mas, claro, esteve longe de ser perfeito. Deu espaços para contra-ataques, a ponto de sofrer sete finalizações – quatro na meta. Em tantas investidas, uma delas quase resultou em gol – mas ainda assim foi possível ver algo positivo. Ainda que a defesa tenha vacilado ao permitir o cruzamento de Bryan da direita, passando por toda área, a ótima recuperação de Ronaldo, evitando qualquer o chute de Bruno Pacheco, ressaltou a boa atuação do volante. Com firmeza na defesa, também apareceu bem no ataque, como comprovou o segundo gol. São 11 jogos na temporada e o ritmo, necessário desde 2017, enfim parece surgir para o jogador. Uma ótima opção para Willian Arão. Se a capacidade de infiltração e o jogo aéreo não são iguais, o maior vigor para dar consistência defensiva ao meio parece compensar. Tentou 55 passes, errou dois. Teve três desarmes.
A presença de Ronaldo à direita era mais um componente para reforçar a utilização de Rodinei. Foi o volante a iniciar a jogada que poderia ter resultado no segundo gol. Achou Rodinei à direita. O camisa 2 passou com facilidade e rolou ao meio, a Lincoln. Ao se enrolar com a bola, o atacante – apagado até então – viu a pelota sobrar para Ronaldo, que tentou o arremate. Na bola prensada, Lincoln saiu cara a cara com Tiepo e acabou derrubado. Diego, em manhã razoável, teve a oportunidade dourada de fechar o primeiro tempo com dois gols de diferença e cobrou muito mal, nos pés do goleiro, que ainda fez ótima defesa em nova tentativa do camisa 10, de de voleio. Falha reiterada que permite questionar se deve continuar a ser cobrador de pênaltis. O primeiro tempo terminou com um Flamengo superior, mas aquém diante do que criara.
Para sorte de Diego e do próprio Flamengo, a Chapecoense pouco mudou no início da etapa final. Voltou a dar espaços e viu Berrío achar Ronaldo na linha de fundo, tal qual Arão. O cruzamento rasteiro achou Lincoln, oportunista, dentro da grande área. O garoto de 18 anos completou para o gol e mostrou que com quanto mais minutos atuar – tinha 98 no ano até então – terá mais chance de ser até mais opção para o ataque do que Uribe. Joga pelos lados, por dentro e tem habilidade. Falta confiança após início de temporada claudicante, com lesão na Seleção sub-20 e ausência na lista de inscritos na Libertadores.
O 2 a 0 mostrou uma Chapecoense até certo ponto conformada, como se na projeção de pontos já não contasse com nenhum deles no Maracanã diante do Flamengo. Avançou um pouco a equipe com substituições, tentou ter velocidade pelos lados com Rildo e Arthur Gomes, explorando os avanços dos laterais rubro-negros, mas foi muito pouco. Pelo centro, contava com Márcio Araújo como um dos articuladores, principalmente após a entrada de Elicarlos. Simbólico. Justamente por ali, o Flamengo teve outro destaque em campo, Piris da Motta. Quatro desarmes, 57 passes certos em 58 tentados*. Forte na marcação, controlou espaços e mostrou força no embate. É possível, até, que se junte a Cuellar de acordo com a necessidade da partida. Há opções. E há correções.
Em um jogo tranquilo como o do Maracanã, o Flamengo deveria se acostumar a não sofrer gols. Em um escanteio nos acréscimos, Gum subiu para aproveitar o vacilo de Ronaldo ao deixá-lo solto. Um 2 a 1 que voltou a alertar: são 23 gols sofridos em 27 jogos oficiais em 2019. Em apenas oito o Flamengo não foi vazado. Em competições mata-mata, como a Copa do Brasil que se inicia na quarta-feira, é um ponto muito relevante. São sete pontos no Campeonato Brasileiro, com três rodadas iniciais diante de adversários importantes – dois deles fora de casa. O início do Flamengo é bom no Campeonato Brasileiro. Mas além disso, o olhar deve ser para a temporada: Libertadores e Copa do Brasil correm paralelamente. O elenco deve ser usado. E diante da Chapecoense, o time B passou com certa facilidade. Ainda que falte um pleno acerto do conjunto, há individualidades que podem fazer a diferença na temporada e comprovam: sim, o elenco do Flamengo é forte. E pode ser muito competitivo.
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FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 2X1 CHAPECOENSE
Local: Maracanã
Data: 11 de maio de 2019
Árbitro: Jean Pierre Gonçalves Lima (RS)
VAR: Leandro Vuaden (RS)
Cartões amarelos: Diego, Ronaldo (FLA) e Bryan, Alan (CHA)
Público e renda: 57.494 pagantes / 61.023 presentes / R$ 1.692.892,00
Gols: Vitinho (FLA), aos sete minutos do primeiro tempo, Lincoln (FLA), aos cinco minutos e Gum (CHA), aos 48 minutos do segundo tempo
FLAMENGO: Diego Alves, Rodinei, Thuler, Rodrigo Caio e Trauco; Piris da Motta, Ronaldo e Diego (Everton Ribeiro, 38’/2T); Berrío (Bill, 38’/2T), Vitinho (Bruno Henrique, 27’/2T) e Lincoln
Técnico: Abel Braga
CHAPECOENSE: Tiepo, Bryan, Gum, Douglas e Bruno Pacheco; Régis (Arthur Gomes, 12’/2T), Augusto, Márcio Araújo, Alan Ruschel (Elicarlos, 12’/2T) e Renato (Rildo, 32’/2T); Everaldo
Técnico: Ney Franco