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Em um turno, da ilusão ao fracasso: Flamengo colhe o plantio da parada da Copa

Lucas Paquetá Flamengo Maracanã 2018 vaias

(Gilvan de Souza / Flamengo)

Piris da Motta Vitinho Flamengo Maracanã

(Gilvan de Souza / Flamengo)

O torcedor mais atento viu indícios logo no retorno do Flamengo após a paralisação para a Copa do Mundo. Algo tinha mudado. Um time lento, nada elétrico, quase abatido apesar dos quatro pontos de folga na liderança. Acabou derrotado pelo São Paulo com um gol único em casa e fez crescer o temor: talvez a ilusão ensaiada nas 12 primeiras rodadas teria tomado o rumo de mais um fracasso. Bastou o completar de um turno do resgate da equipe na temporada para entender que sim. Contra o Ceará, no Castelão, o Flamengo fugiu de sopapos no aeroporto, optou por ser simples, vibrante e começou a caminhada que acendeu a chama. Contra o Ceará, no Maracanã, a derrota de 1 a 0 fez o Flamengo colher o plantio de erros durante a paralisação para a Copa e indicou o gosto pelo fracasso em tempos recentes.

Fracassos, claro, acompanhados de um trabalho ruim no departamento de futebol, uma tônica da gestão de Eduardo Bandeira de Mello. Ainda que o time se ajuste em algum momento, ainda que ótimos jogadores sejam contratados, o rolar dos dados fora do campo do futebol rubro-negro insiste em ser falho. Em não agir nos mínimos detalhes para manter uma sequência positiva. Que pode ocorrer graças ao acaso. Pois foi o acaso que fez o esforçado Everton receber proposta do São Paulo e deixar o clube, abrindo caminho para o talentoso Vinicius Junior, então relegado ao banco.

Fla no início: Diego e Paquetá exigidos na saída do jogo, lados bem bloqueados

Foi este guri de 18 anos que solidificou o Flamengo de Mauricio Barbieri. Era ele a faísca responsável por acender a equipe, fazer a ponte com a torcida. E, claro, de enorme contribuição técnica. O drible, a finalização de fora da área, a arrancada. O encaixe perfeito. Ter a compreensão do que se passava jogo após jogo no Maracanã e trabalhar prioritariamente para não perder o menino no meio de temporada era tarefa obrigatória do departamento de futebol. Ao ambiente externo, o clube pareceu resignado, como quem acreditasse, ingenuamente, que o voo já estava em céu de brigadeiro.

Um encaixe alcançado como teve o Flamengo com Vinicius Junior é algo raro. Identificação e técnica. Diante da negociação muito mal amarrada com a saída no meio da temporada, valeria atravessar o mundo, apresentar inúmeros projetos ao espanhois de Madrid e aos responsáveis pela carreira do garoto que hoje joga na Terceira Divisão da Espanha. O ganho seria mútuo. Não foi feito. O Flamengo simplesmente optou por deixar o tempo escorrer pelas mãos durante a parada da Copa. Entre a energia desperdiçada de forma constrangedora com o holandês Ryan Babel e o ignorar da necessidade de reforços para outras posições, a temperatura da liderança esfriou. O time perdeu a passada. Os reforços não chegaram a tempo do retorno da temporada. Voltou frio, lento, apático. Simbolizado em Paquetá.

Ceará no início: saídas rápidas pelos lados e bem fechado

As vaias que o garoto recebeu no Maracanã diante do Ceará foram o acúmulo da insatisfação velada que já ocorria desde o jogo contra o São Paulo. Se conquistou a torcida por ser elétrico, onipresente e com bom futebol, priorizando jogadas mais objetivas, o camisa 11 pós-Copa é a antítese disso. Lento, disperso, blasé. Parece um craque com um passado nas costas em ritmo de fim de carreira. Toques com nojo na bola. Identificar o que ocorre com o seu principal jogador é tarefa do departamento de futebol. Sem melhora, Paquetá mostra um presente pálido que pode comprometer o próprio futuro. O time, ele tem comprometido. Principalmente em uma partida como a deste domingo no Maracanã. Sem Cuellar, suspenso, o Flamengo teve Piris da Motta no tradicional 4-1-4-1. O paraguaio ainda não foi contaminado pelo ambiente. É vibrante, tem marcação forte. Mas a saída de jogo é bem inferior à do colombiano. O Flamengo precisaria demais de Paquetá e Diego para iniciar o seu jogo. E numa partida muito exigente na parte física, sob o calor de 11h do Maracanã. Tanto para o garoto quanto para o veterano. O time vem de maratona. Faltam pernas. A mente embaça.

Talvez por isso o Flamengo tenha conseguido apenas 20 minutos de pressão no campo rival. Farta troca de passes, maior movimentação diante de um Ceará bem fechado praticamente em um 4-5-1, com Arthur e Leandro Carvalho aos lados, Juninho Quixadá solto à frente. Barbieri optou por barrar Rodinei e colocar Pará na lateral. Deixar Marlos, com maior gosto pelo fundo, na vaga de Vitinho. O time pressionou, rondou a área e teve no goleiro Everson um ótimo rival, com grandes defesas em chutes de longe, como de Rever, pelo meio, e Paquetá, da frente da área. Dourado teve bola tirada em cima da linha, Marlos perdeu chance na pequena área. A chegada da parada para hidratação sob o calor escaldante fez o time arrefecer. Natural que faltaria fôlego. Passa, obviamente, pelo extracampo. Durante os quase 40 dias de paralisação para a Copa do Mundo, o Flamengo foi incapaz de traçar um plano para alternar o elenco. Ora, de que vale ter elenco tão caro e com opções se um grupo reduzido de 14 jogadores é o responsável por encarar a maratona insana? A opção da diretoria por brigar em três frentes com todas as forças tem preço a ser cobrado. Falta de planejamento. Falta de entendimento.

Há, sim, no Flamengo de Mauricio Barbieri uma ideia bem consolidada de jogo. Manutenção da posse, troca de posições, imposição ao adversário. O jogo com o Grêmio no Sul comprovou e encantou. A barreira para tornar tal ideia constante é, principalmente, física. Não há pernas que resistam a tamanha maratona no calendário brasileiro. Diante disso, a falha maior do técnico: não ter trabalhado opções além do 4-1-4-1. Ainda que o time, vez e outra durante jogos tenha apresentado um 4-4-2, faltam alternativas. É um encaixe só: com jogadores de determinadas características, no 4-1-4-1. Com ausência de um atleta ou tentativa de mudança de esquema, o Flamengo se fragiliza. Com um agravante: se deseja preparar algo diferente, Barbieri tem no Ninho um vazamento contínuo de escalações e testes jamais visto no Campeonato Brasileiro. Parece detalhe. Mas é falta de um compromisso interno com um objetivo geral. Uma surpresa na escalação foi decisiva para eliminar, por exemplo, o Brasil de Tite na Copa do Mundo da Rússia. Como é rotina no Ninho do Urubu, desde a véspera do de confronto decisivo com o Cruzeiro no Mineirão, todos sabiam que Vitinho como atacante e Marlos na ponta era a opção. Mano Menezes deve ter gargalhado com tamanho descompromisso.

Mas houve um jogo. Inteligente, Lisca entendeu que o Flamengo já tinha dificuldades para manter o jogo mais acelerado, trocando posições por questões físicas. Trabalhou com as deficiências do rival, liberou Calyson mais à esquerda, soltou Arthur à frente ao lado de Quixadá e pôs Leandro Carvalho para acelerar o jogo na direita. Um 4-4-2 para buscar os contragolpes em uma defesa mais lenta: sem Léo Duarte, suspenso, Rhodolfo era o substituto ao lado de Rever. Deu bastante certo. Com o time rubro-negro adiantado, o mínimo erro em troca de passes era um convite ao acelerar cearense. Rever errou uma invertida de bola, Leandro Carvalho saiu na cara de Diego Alves no contragolpe, após lançamento com o campo a percorrer. O goleiro, atento, saiu em cima dele e evitou o gol de cobertura. Leandro Carvalho, de novo, e Quixadá, de novo à frente de Diego Alves, tiveram ainda boas chances de finalização no primeiro tempo. Tudo indicava para um jogo nervoso no segundo tempo. Barbieri nada fez para evitá-lo.

O retorno sem modificações tornou o jogo mais ao gosto de Lisca. O Ceará sacou Calyson, amarelado, e pôs Felipe Azevedo. Ao atacar, o time abria um 4-2-3-1 com Azevedo e Leandro Carvalho pelos lados, Quixadá por dentro e Arthur na frente. Ao defender, o 4-4-2 usual. Poderia ser interessante ao Flamengo. Ao retomar a bola em um ataque cearense, trabalhar o jogo com mais espaços por dentro, justamente a área de melhor trato da bola rubro-negro. Mas o Flamengo, talvez já cansado, era lento na construção das jogadas. Não havia espaço para chegar ao fundo. Apenas no primeiro tempo, segundo o Footstats, foram 24 cruzamentos. Foi um jogo confortável para o Ceará. Um rival com a posse, mas sem o menor poder de fogo. Nenhuma finalização de longe, apenas bolas alçadas na área. Muito pobre.

Ao fim, Fla totalmente adiantado, sem proteção por dentro

Barbieri sacou Dourado, um atacante que tem limitações claras e também um esquema de jogo contra si desde que chegou ao clube, e Marlos para as entradas de Lincoln e Vitinho. Mas sem nenhuma modificação impactante na maneira de jogar. Em pouco tempo lá estava o camisa 14 encostado na linha lateral, tentando um ou dois dribles por dentro, sem espaço. O agravante rubro-negro: Everton Ribeiro em péssimo dia tecnicamente. Errava dribles, passes. E teve pouco entendimento com Pará nas raras ultrapassagens do lateral. Não havia escape. Atuação ruim diante de um time duro, muito bem fechado. Individualidades poderiam salvar. Mas Paquetá falhou em todas as chances de assumir esse papel. Primeiro em boa tabela com Everton Ribeiro, ao bater por cima do gol de Everson com liberdade. Depois, em cobrança de falta na frente da área. A bola isolada despertou a ira rubro-negra na arquibancada. Paquetá vai para a Seleção ainda com o eco das vaias no Maracanã. Deve buscar uma solução não apenas para o time, mas para ele próprio.

Ceará ao fim: muito fechado e facilidade para sair com rival tão adiantado

A cartada final do técnico rubro-negro foi uma constatação de quem faltam alternativas: retirada do único volante, Piris, para empilhar outro atacante, Uribe. Com Diego e Paquetá já tão desgastados, o centro do campo ficou sem proteção. Sairia dali o gol do Ceará, em falha de Diego Alves. Leandro Carvalho driblou facilmente Rever e, sem bloqueio algum, arriscou a bola vadia que quicou no campo e venceu o goleiro aos 45 minutos do segundo tempo. Um golpe fatal em um pacote de erros que fez o Flamengo reviver a rotina de enormes decepções em um Maracanã abarrotado. A distância para o líder São Paulo que poderia diminuir para dois pontos aumentou para cinco.

Resultado de erros constantes no planejamento durante a paralisação da Copa do Mundo. Se conseguiu ao acaso acertar a equipe com Vinicius Junior, deveria ter se esforçado ao máximo para manter o garoto, costurando o acordo antes de seu brilho no Brasileiro. Surfar na onda. Sem sucesso, a reposição deveria ser imediata, dando tempo para condicionamento físico durante a paralisação e maior entrosamento. E voltar, então, com pé na porta depois da parada da Copa, em jogo-chave com o São Paulo. Ao se apresentar já em queda, com Paquetá como símbolo da decadência evidente, o Flamengo deu sinais de que poderia uma vez mais trilhar o caminho do fracasso. Não houve substituto para Cuellar – Romulo encarou o São Paulo. E o estopim foi trágico. Após a eliminação da Libertadores, situação e oposição brigavam pela cor de chapa no pleito que se aproxima. Deixam a instituição de lado. Em um turno, o Flamengo foi da euforia à depressão. Da ilusão de glória ao prenúncio de fracasso. De imponente a mentalmente superado. Acreditou ter um lastro que não tinha. Há várias rodadas e pontos em disputa. Mas nada mais parece indicar que o Flamengo terá forças para buscar o título brasileiro. Melancólico.

FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 0X1 CEARÁ

Local: Maracanã
Data: 2 de setembro de 2018
Horário: 11h
Árbitro: Raphael Claus (SP)
Público e renda: 55.147 pagantes / 61.277 presentes / R$ 1.860.048,00
Cartões amarelos: Henrique Dourado e Diego (FLA) e Calyson e Samuel Xavier (CEA)
Gol: Leandro Carvalho (CEA), aos 45 minutos do segundo tempo

FLAMENGO: Diego Alves, Pará, Rhodolfo, Rever e Renê; Piris da Motta (Uribe, 38’/2T); Everton Ribeiro, Lucas Paquetá, Diego e Marlos Moreno (Vitinho, 13’/2T); Henrique Dourado (Lincoln, 13’/2T)
Técnico: Mauricio Barbieri

CEARÁ: Everson, Samuel Xavier, Tiago Alves, Luiz Otávio e João Lucas (Eduardo Brock, 31’/2T); Arthur (Arnaldo, 25’/2T), Edinho, Juninho e Calyson (Felipe Azevedo / Intervalo); Leandro Carvalho e Juninho Quixadá
Técnico: Lisca

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