Gabigol Flamengo 2022 pênaltis Copa do Brasil
Gabigol e a língua da massa
21 outubro 23:39
Everton Ribeiro Flamengo final Guayaquil 2022 Libertadores
Everton Ribeiro, o Capitão do Tempo
03 novembro 01:04

Assim se Copa: Gabigol, o Predestinado, dá ao Flamengo o seu tri na Libertadores

Flamengo campeão Libertadores 2022

(Marcelo Cortes / Flamengo)

Gabigol final Guayaquil 2022 Libertadores

(Marcelo Cortes / Flamengo)

Ele sabe. Tudo leva sempre àquele instante. Mais uma vez. A bola rasga a área à meia-altura. Vem da direita, no capricho, com qualidade. Os zagueiros não vão pegar. A velocidade está no ponto certo. A torcida vai comemorar. A taça vai levantar. A rede, de novo em uma final, vai balançar. Ele sabe. A bola chega. Limpa, inteira. Oferece-se. O pé esquerdo bate com a convicção de sempre. É dali para a História. Como fez por duas vezes em Lima. A bola estufa a rede, o goleiro se joga com os braços estirados. O Monumental explode, um microcosmo da América do Sul. Do Mundo. A camisa rubro-negra com 9 às costas de novo sai a bradar pelo campo, vai à lateral. Busca a câmera. Chacoalha. Ela sabe o que fazer. Ele sabe. Braços erguidos como sempre. De novo, Gabigol em uma final de Libertadores. De novo, Flamengo campeão em uma Libertadores. Gol único. Gol dele. Ele sabia. Predestinado. Assim se copa.

Há fábulas que se vivem e, de tão incríveis, parecem irreais demais para crer. Só o caminhar do tempo dá dimensão do feito. A tarde de 23 de novembro de 2019 em Lima foi assim. Fábula. Há também eras douradas que passam de forma tão galopante que parecem rotina. Não são. É o que faz este Flamengo. Vive era dourada. Não se cansa. De maneiras distintas, com pequenos intervalos. Mas mantém a sede. A geração que traça linhas douradas no livro rubro-negro segue viva. Pulsante. Abraçou em Guayaquil um tricampeonato da América sobre o Athletico-PR dias depois do tetra na Copa do Brasil. Não é mesmo pouco. Ainda mais diante de um rival que o valorizou. Modificou-se para dificultar.

Luiz Felipe Scolari tentou de várias maneiras parar o Flamengo na temporada. Entrincheirou-se no Maracanã, partiu para um jogo bruto, quase violento na Arena da Baixada. Acabou goleado pelos reservas no Brasileiro e eliminado na Copa do Brasil. Em Guayaquil decidiu por espelhar o rival. Igualar no desenho. 4-3-1-2. E tentar marcações individuais. Já tinha feito assim, especialmente na Arena da Baixada quando pôs Hugo Moura a vigiar Arrascaeta e Erick, Everton Ribeiro. Desta vez quase igual. Hugo Moura seguia de novo o uruguaio, mas ficou a cargo de Alex Santana. Mais atrás, Pedro Henrique encaixava em Pedro. Abner, quase como um terceiro zagueiro, prendia em Gabigol. Mais à frente, Khellven ficava liberado à direita e Vitinho e Vitor Roque tinham liberdade – e velocidade.

Fla no início: quase o time de sempre, mas já com Ayrton Lucas

A ideia engessou o Flamengo. Trouxe dificuldade porque Filipe Luís, mente criativa, não conseguia sair tanto com Khellven tão avançado. Everton Ribeiro e Arrascaeta tão vigiados mal respiravam e, portanto, tinham dificuldade em criar. Tampouco a jogada em pivô em Pedro funcionava: Pedro Henrique fungava no pescoo do atacante a qualquer menção de receber a bola. A posse era farta ao Flamengo, principalmente a David Luiz e Léo Pereira. O problema era o que fazer com ela. Tramar de um lado a outro, mas sem buscar o fundo ou invadir a área pouco ajudaria. O Athletico, ao contrário, incomodou duas vezes ao lançar bola mais alta na área. Vitinho aproveitou cochiclo de David Luiz e girou para bater para defesa de Santos e Alex Santana, em bate-rebate na área, chutou por cima do gol. Se não era perigosa demais, era incômoda demais ao Flamengo a decisão. Não seria fácil. E nem mesmo deveria ser. Afinal, assim não se copa. Há o destino. Predestinado.

O atacante com nome de anjo aguarda na frente, inquieto. Balança para lá e para cá. Reclama pouco. Sabe que, desta vez, não. Precisa estar até o fim. Insistir, quem sabe, até o minuto final. A primeira passagem pela Glória Eterna o ensinou. Há o destino. Há sinais. Travessuras que indicam como será a travessia. Filipe Luís lesionado, triste ironia, foi uma delas. Ayrton Lucas, mais rápido e com mais gosto pelo fundo do campo, entrou no lugar. Segurou Khellven e mexeu já um pouco na estrutura do Athletico. E bastou um sinal de Dorival para o eixo mudar. Everton Ribeiro. É ele quem gira o mundo rubro-negro dentro de campo. Se a marcação rival estava encaixada cabia a ele desencaixá-la. Movimentar-se por toda a parte. Do centro pela direita para a esquerda. Para o extremo do campo à direita. Para trás, quase entre os zagueiros, como se fosse iniciar uma saída de três. Com Everton Ribeiro a se movimentar, o tabuleiro se mexia. Buracos se abriam. A Copa se trilhava.

Athletico no início: espelhado Flamengo e ainda com Pedro Henrique

O Athletico, instintivamente, deixava buracos para o Flamengo enfim passar a frequentar a entrada da área. É o maior dos perigos. Deixar este Flamengo, inteligente, técnico, raciocionar e combinar movimentos na frente da zona de maior perigo. Everton com frequência passou a voltar para antes do meio de campo, trazer a marcação, e abrir um corredor central por onde Thiago Maia avançava até com certa facilidade. O Flamengo, antes mais asfixiado, já respirava. Inspirava. Expirava. No vaivém das peças cariocas no tabuleiro, a exigência do pulmão atleticano era maior. O desgaste aumentava. A América, a partir daí, ficava mais distante. O mental se exigia. Pedro Henrique, então, passou a desejar se impor cada vez mais. Levou amarelo. Rebateu bolas. Encharcou-se do bravo espírito. O problema é incoporar demais o personagem. O Flamengo avançava, rondava a área. Pedro Henrique deixou-se levar. Ao caçar Ayrton Lucas arriscou carrinho desnecessário. E errou o tempo. O segundo e justo amarelo deixou o Athletico desguarnecido. Tonto. Felipão arriscou ao não recolocar um zagueiro imediatamente. Recuou Fernandinho.

E o Flamengo seguiu a bailar pela frente da área. Principalmente com Everton Ribeiro. Ginga de um lado a outro, esconde a redonda com os pés. E Rodinei, que já não avançava, ultrapassava Abner pela direita. João Gomes e Thiago Maia se apresentava, Arrascaeta já não era sufocado. Seria questão de tempo. O Athletico precisava sobreviver ao intervalo para se reorganizar. Não conseguiu. Porque há combinações letais no futebol. Forjadas não se sabe como. Sabe-se, apenas, que surgem. Estão traçadas a acontecer. O Camisa 9 sabe. Tem certeza. Por isso se posicionou à esquerda, no segundo pau, consciente do cruzamento que sairia à medida. Everton gingou e recebeu de volta de Rodinei. De direita, o tapa saiu preciso. Gabi fechou certeiro para o gol e para a História. Predestinado. 1 a 0.

Fla ao fim já modificado, com vantagem numérica

A vantagem deu ao Flamengo não o alívio ao intervalo. Mas ao jogo. O panorama estava completamente modificado. Pouco adiantou a Felipão voltar ao segundo tempo com Matheus Felipe na vaga de Alex Santana com um 4-4-1 bem definido, Vitor Bueno à direita na tentativa de ajudar nos avanços de Ayrton Lucas. O Flamengo, sob o calor da linha do Equador, já controlava o jogo à sua maneira. Com a superioridade numérica girava a bola de um lado a outro para cansar o rival e achar brechas. Até achou, como Arrascaeta fez quando serviu Gabigol na cara de Bento. Mas o destino estava traçado. Gol único. Dele. Seria assim. Felipão ainda fez suas apostas com Canobbio e Romulo, mais tarde com Terans no lugar de Hugo Moura. O Athletico, bravo, lutava como podia. Mas era improvável. O Flamengo flertava com o risco do empate quase como quem soubesse que se acelerasse mais poderia ampliar. Na bola derradeira da partida, Santos encaixou falta perigosa de Terans e sossegou o mais ateu dos flamenguistas que já olhavam ao céu de maneira desconfiada. Pois as linhas estavam traçadas.

Athletico ao final: arriscado em busca do empate salvador

Foram 12 vitórias em 13 jogos. Apenas um empate. Um time que se reinventou na competição. Deixou Montevideu com feridas profundas e não encontrou em Guayaquil a fábula de Lima. Sob forte calor, encontrou, sim, um rival mais duro e abraçou um jogo mais pragmático. Resultou num duelo que só ficou abaixo da decisão – em finais únicas – do confronto abaixo de qualquer crítica de 2020 no Maracanã entre Palmeiras e Santos. Mas não só uma página dourada foi escrita em Guayaquil. Um capítulo. Lágrimas de novo rolaram ao soar do apito. Ao estufar da rede. Ao levantar da taça do tricampeonato da América. A geração de 2019, pelo visto, não tem validade. Segue insistente, sem aviso prévio para o fim. Que forja novas superstições a cada decisão. Torna as caminhadas futuras na rampa do Maracanã cada vez mais longas. Com cada vez mais histórias contadas de gerações para gerações. De avôs para pais. De pais para filhos. Sobre Lima e Guayaquil. Sobre feitos antes considerados inimagináveis. De um time liderado por um garoto com nome de anjo. E que leva no apelido, literalmente, a explosão máxima da bola. Hoje é possível separar o Flamengo em duas eras. Dois Flamengo com nomes e sobrenomes. Houve e sempre haverá a Era Zico. Há – para desfruste de uma nação – a Era Gabigol. O Flamengo de Zico. O Flamengo de Gabigol. O Rei. O Predestinado. Que fala a língua da massa. Em três finais, quatro gols. Flamengo, tricampeão da Libertadores. Assim se Copa.

FICHA TÉCNICA
FLAMENGO 1X0 ATHLETICO-PR

Data: 29 de outubro de 2022
Árbitro: Patrício Loustau (ARG)
VAR: Mauro Vigliano (ARG)
Público e renda: 38.517 presentes
Cartões amarelos: Arrascaeta, Vidal (FLA) e Alex Santana (ATL)
Gol: Gabigol (FLA), aos 48 minutos do primeiro tempo

FLAMENGO: Santos, Rodinei, David Luiz, Léo Pereira e Filipe Luís (Ayrton Lucas, 19’/1T); Thiago Maia (Vidal, 25’/2T), João Gomes, Everton Ribeiro e Arrascaeta (Victor Hugo, 38’/2T); Gabigol (Everton Cebolinha, 38’/2T)
Técnico: Dorival Júnior

ATHLETICO-PR: Bento, Khellven, Pedro Henrique, Thiago Heleno e Abner; Hugo Moura (Terans, 30’/2T), Fernandinho, Alex Santana (Matheus Felipe / Intervalo) e Vitor Bueno (Canobbio, 11’/2T); Vitinho (Romulo, 11’/2T) e Vitor Roque (Pablo, 20’/2T)
Técnico: Luiz Felipe Scolari

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