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Galo multicampeão supera um Flamengo em evolução, mas resignado em rotina perigosa

Gabigol Flamengo Atlético-MG Supercopa do Brasil 2022

João Gomes Flamengo Atlético-MG

A velocidade com que o futebol troca seus ciclos vitoriosos espanta. Transforma clichês em realidade. Difícil não é chegar ao topo, mas se manter nele, diz um velho e surrado deles. É necessário sempre estar com a concentração no grau mais alto, a preparação sem quase nenhum deslize. Há menos de um ano o histórico Flamengo levantava a sua oitava taça em uma Supercopa do Brasil contra o Palmeiras em Brasília. Seguiria sua dinastia com o nono troféu logo depois, um Carioca contra o Fluminense. E parou por aí. A roda girou e menos de 12 meses depois o mundo da bola indicou que o time das taças agora é o Atlético Mineiro. Na Arena Pantanal, neste domingo, emplacou a terceira seguida sobre o mesmo Flamengo. Depois de um 2 a 2 eletrizante no tempo normal, vitória suada nos pênaltis. Um Galo que se mostrou ainda muito forte em 2022 diante de um Flamengo que, implodido no segundo semestre de 2021, mostra evolução até surpreendentemente rápida no início de trabalho de Paulo Sousa. Mas indicou também uma preocupante resignação com a nova rotina assumida recentemente, de vice-campeonatos consecutivos. Um brotar de estranha familiaridade com a derrota como capítulo natural de um processo.

Galo no início: força pela esquerda com Arana e Keno

Porque, sim, há um processo em curso no Flamengo. Totalmente novo e necessário diante da implosão do modelo vitorioso celebrado em 2019, mas já plantado desde o início da passagem de Zé Ricardo, em 2016. Uma equipe com posse de bola, troca de passes, intenção de ser protagonista, ocupação do campo rival. O auge, óbvio, ocorreu com Jorge Jesus. Domènec Torrent e Rogério Ceni deram continuidade, ainda que de maneiras distintas, à ideia. Renato Gaúcho a implodiu. Paulo Sousa, portanto, chegou em meio a escombros. E se mostrou disposto a romper com a mítica equipe de 2019. Fim do 4-4-2 com o quarteto histórico à frente. Agora há um 3-4-2-1. Everton Ribeiro é ala esquerdo. Arrascaeta um dos homens atrás de Gabigol. E onde entraria Bruno Henrique? Titular pela primeira vez na temporada, a resposta foi dada em Cuiabá. Também um pouco atrás de Gabigol, à esquerda, o que deslocou o uruguaio à direita. No meio Wilian Arão e João Gomes, com Rodinei como ala direito. Filipe Luís como terceiro zagueiro, tal qual na época de Rogério Ceni. Nesta formação, com jogadores distintos, houve 15 bons minutos iniciais no Fla-Flu. Na Arena Pantanal, o desafio era maior. Muito maior.

Do outro lado, o campeão brasileiro e da Copa do Brasil. Já sem Cuca. Mas Antonio El Turco Mohamed basicamente preservou a mesma equipe. Natural, não chegou diante em meio a escombros. Muito ao contrário. Um Atlético no 4-3-3, com Keno e Savarino pelos lados, Nacho por dentro e Hulk à frente. Avanço dos laterais, com destaque para Arana. Força e criação. Allan e Jair com volantes. Com muita intensidade. Dois times dispostos a se agredir, a pressionar a saída de bola rival, a disputar a bola. Colírio em tempos de futebol brasileiro acostumado a equipe geralmente antagônicas. Uma deseja a bola, outra não. Na Arena Pantanal, ela era disputada pelos dois lados.

Flamengo no início: time intenso, com Bruno Henrique fulminante

De imediato, o Flamengo buscou explorar a velocidade de Bruno Henrique nas costas dos zagueiros atleticanos. Lançamento de Fabrício Bruno para tentar surpreender uma defesa mais adiantada. O Atlético mostrou logo sua predileção. Tinha, claro as saídas rápidas pelos lados, principalmente com o avanço e a força de Arana, ora por dentro, ora por fora. Mas a utilização de Hulk ao vir buscar por dentro e ser referência da equipe é arma perigosa do Galo. A equipe de Paulo Sousa tinha como antídoto David Luiz. Experiente, o defensor procurou sempre a marcação quase individual no atacante atleticano. Hulk tentava dominar, David antecipava. Por cima, por baixo. Aos poucos, o time rubro-negro entendeu melhor o desenrolar da equipe mineira. Filipe Luís já fazia leitura perfeita de Savarino e basicamente anulou o jogo do venezuelano. Everton Ribeiro também desempenhava bom papel por ali, tanto no auxílio à marcação quando na construção pelo corredor.

O maior volume rubro-negro permitiu à equipe de Paulo Sousa pressionar mais a saída de bola atleticana. Neste detalhe, inclusive, é distinta a predileção deste português do outro, Jorge Jesus. O Flamengo de 2019 era ensandecido na busca pela posse de bola. Se a perdia, pressionava incansavelmente até tê-la novamente. Atualmente, não. O Flamengo pressiona, mas depois de breves segundos dá passos atrás de maneira estratégica e tenta fechar linhas de passe do rival. Passa até a impressão de que apenas cerca o adversário, sem pressioná-lo. Mas é mais estratégico do que voraz. Funcionou por vezes e dessa maneira disparou ao campo do Atlético para pegar a defesa rival de maneira desorganizada. Assim Nathan Silva teve de pôr a mão na bola para impedir que Bruno Henrique disparasse sozinho rumo a Everson – Anderson Daronco não viu ou preferiu não ver.

Em um momento claramente superior na partida, o Flamengo avançava até o meio e retomava a bola para iniciar o ataque com passes rápidos. Gabigol, Arrascaeta, Bruno Henrique. E perdia chances…imperdíveis. Gabigol por duas vezes. Primeiro em cruzamento de Arrascaeta, que recebeu lindo passe por cima de Rodinei pela direita. Depois ao receber passe limpo de João Gomes e bater cruzado com a perna direita para fora. Aí vale o destaque para o garoto. João Gomes ganhou a vaga de Andreas Pereira com absoluta justiça no início de temporada. Vigor físico, técnica e imposição no meio de campo. E, mais do que tudo, personalidade. Dominava o meio com categoria de veterano e contribuía para que o Flamengo fosse superior no momento. Indica que chega para ficar e até mesmo a afobação que lhe rendia tantos cartões amarelos precoces foi contida na maior parte do tempo – no fim do jogo acabou sucumbindo a uma entrada perigosa em Vargas que poderia ter resultado em um cartão vermelho sem grandes motivos para reclamação.

A rigor, o Flamengo parecia bem próximo de abrir o placar. Fabrício Bruno, inclusive, passou perto ao cabecear bola rente à trave após escanteio. Mas é o que diz o ditado. Chegar ao topo é difícil, se manter nele mais ainda. É preciso concentração, nenhum deslize. O time rubro-negro já havia deslizado ao não aproveitar as chances quando era superior. E aí apresentou, claro, as deficiências de uma equipe em construção diante de um time vitorioso. Do 3-4-2-1 o Flamengo se molda ao 4-4-2 ao se defender. Rodinei compõe a linha defensiva e mais à frente desta vez era a vez de Arrascaeta fechar os espaços à direita, alternando com Bruno Henrique. Um detalhe bem relevante, já que por setor, com Keno e Arana, é um dos pontos altos do Galo. E a bola veio a girar desde lá de trás, sem que o Flamengo desta vez conseguisse interceptar o passe. Pelo centro, à direita e até à esquerda. Sem Bruno Henrique ou Arrascaeta para dar o combate, Arana recebeu com um espaço livre para bater. Arão não podia abrir mão da sua área demarcada. O chute forte encontrou a falha grotesca e imperdoável de Hugo. No rebote, Nacho tocou e fez 1 a 0.

Os minutos finais do primeiro tempo murcharam o Flamengo e mostraram o Galo, enfim, mais à vontade na partida. Saídas rápidas, tentando acionar Hulk por dentro para buscar os pontas pelos lados. Cruzamentos para tentar o jogo aéreo na área. Maior troca de passes. E vantagem confortável para o vestiário.

O segundo tempo trouxe um Flamengo mais presente no campo atleticano, com maior pressão na saída de bola. Consequência direta, óbvio, do placar. O Galo quando podia buscava esticar as bolas com Allan por dentro para Hulk – ainda vigiado com força por David Luiz – ou Savarino. Daí buscavam a aproximação de Arana fazer o jogo girar. E o Flamengo retomava a bola em sua intermediária, trocava três ou quatro passes e acelerava o jogo para atacar pelos lados. Tinha gosto especial pela esquerda: às costas de Mariano e onde Savarino causava menos problemas do que Keno e Arana. Por ali conseguiu o empate. Rodinei da direita ao centro para João Gomes. Dali a Everton Ribeiro, Arão. Quando Filipe Luís recebe a bola, toda a movimentação do ataque já fora feita. Arrascaeta dispara às costas de Mariano pela esquerda e está pronto para receber o lançamento. Na ginga de corpo, ele quebra o marcador ao fingir o cruzamento no primeiro movimento, que vem apenas no segundo. Bola na cabeça de Bruno Henrique para a defesa parcial de Everson. No rebote, Gabigol estufou a rede. 1 a 1.

Galo no fim: manutenção de força e velocidade pelos lados do campo

O jogo aí não tinha controle ou superioridade. Estava francamente aberto. As duas equipes se colocavam à disposição de atacar. Paulo Sousa, então, demonstrou que os jogos iniciais do Carioca não ocorrem em vão. Está ali em pleno laboratório, utiliza como testes, analisa movimentos, comportamentos em campo. Lázaro já cumpriu a função de ala esquerdo. Foi ele, então, que substituiu Everton Ribeiro. E há uma grande diferença: Ribeiro é canhoto, a tendência é que tenha mais dificuldade para criar ou encaixar um passe ao centro do campo. A movimentação do corpo tem de ser bem maior. Lázaro, destro, pé invertido em relação ao lado do campo, teria maior facilidade. O português viu ali uma oportunidade. Em segundos foi demonstrado que estava certo. O Flamengo ao seu estilo de fechar as linhas de passe do rival retomou a bola com Arão ao interceptar passe de Arana na boca da área. Daí direto a Arrascaeta, que girou e achou Lázaro livre na esquerda. O garoto avançou e deu passe em diagonal, de sinuca, para Bruno Henrique. Godín se atrapalhou de maneira bisonha com a movimentação de Gabigol e a explosão de Bruno com a categoria do toque transformou a jogada num golaço. Bela virada. 2 a 1.

A vantagem coincidiu com o declínio físico de alguns jogadores na partida. Bruno Henrique no Flamengo. Savarino e Keno no Atlético. Paulo Sousa pôs Diego em campo. A ideia era clara: em um jogo com vaivém frenético, desejava ter mais a bola, o controle do jogo. Diego deveria tê-la mais em seu pé, acalmar a partida e deixar o tempo passar com a vantagem rubro-negro. Não deu nem tempo da ideia ir à prática. El Turco Mohamed pôs Vargas e Ademir nos lugares de Savarino e Keno. E foram fundamentais para o empate. Da direita Ademir quebrou para dentro e levantou na outra ponta, nas costas de Rodinei, para Vargas cabecear para dentro da área. Hulk dominou, teve o lado esquerdo bloqueado por Fabrício Bruno, mas inteligência e categoria para levar a bola para o lado direito e achar espaço para fuzilar Hugo. 2 a 2. Um grande jogo na Arena Pantanal.

Flamengo ao fim: Diego para reter a bola, mas perda de força ofensiva

Paulo Sousa ainda tinha como opções no banco Marinho e Pedro – este até mesmo opção para possível cobrança de pênaltis – para voltar a dar força ofensiva à equipe, já que o panorama do jogo não era mais o mesmo do momento da entrada do Diego. Mas optou por sacar Arrascaeta e pôr Vitinho. Matheuzinho na vaga de Rodinei e Léo Pereira na vaga de um Filipe Luís já sem condições. O Atlético seguiu perigoso, com blitz na frente da defesa rubro-negra – uma aposta sempre válida diante da dificuldade clara desde o pós-Jesus em bloquear os arremates à meta. Hugo fez ótima defesa em chute de Jair quase no fim. E Vitinho entrou bem na parte criativa. Em jogada combinada com Gabigol fez o cruzamento que quase resultou no gol da vitória de Lázaro, salvo de forma valente por Everson. Mas o empate acabou justo na Arena Pantanal.

A disputa de pênaltis é capítulo à parte. Uma decisão com uma própria história, de idas e vindas. O Flamengo teve quatro oportunidades de sacramentar a vitória – e desperdiçou todas as quatro de forma quase inacreditável. Em 2021, esteve a três delas de perder a taça – e a conquistou. Claro que a decisão do elenco de Gabigol não abrir a segunda série de cobranças é controversa. E pareceu uma estratégia arriscada, um all in dos jogadores de guardar o melhor cobrador para uma oportunidade – que não veio – de quando o Atlético novamente perdesse a primeira cobrança. Este é um ponto delicado. Há de se ter dimensão do momento. O Flamengo vinha de dois vice-campeonatos, um deles para o próprio Atlético. O clube traçava sua era de ouro, empilhando nove taças em pouco mais de um ano. De repente, a carruagem virou. Passar a encarar a rotina de perder decisões como algo natural, parte de um processo, é caminho muito perigoso. Não reflete a ambição decantada por diretoria e tampouco o orgulho sempre badalado pelo próprio elenco. Voltar a vencer e conquistar taças parece fundamental para interromper esse ciclo e retomar a sede pela conquista.

O lado positivo para os rubro-negros é observar a evolução da equipe já no sexto jogo sob o comando de Paulo Sousa – o primeiro de fato competitivo. Diante de um grande rival, talvez o mais forte no cenário nacional no momento, o Flamengo foi superior na maior parte da partida, teve grandes chances de vencer o duelo e sem recorrer ao modelo de 2019. A reconstrução está em curso, vai encarar dificuldades e dissabores. Parece promissora.

FICHA TÉCNICA
ATLÉTICO-MG (8) 2X2 (7) FLAMENGO

Local: Arena Pantanal, em Cuiabá (MT)
Data: 20 de fevereiro de 2022
Árbitro: Anderson Daronco (RS – Fifa)
VAR: Daniel Nobre Bins (RS)
Público e renda: 32.028 pagantes / R$ 3.884.100,00
Cartões amarelos: Nathan Silva, Jair, Mariano (ATL) e Gabigol, João Gomes, David Luiz (FLA)
Gols: Nacho Fernández (ATL), aos 41 minutos do primeiro tempo; Gabigol (FLA), aos dez minutos e Bruno Henrique (FLA), aos 18 minutos, Hulk (ATL), aos 29 minutos do segundo tempo

ATLÉTICO-MG: Everson, Mariano, Godín, Nathan Silva e Arana; Allan (Guga, 49’/2T), Jair, Nacho Fernández e Savarino (Ademir, 28’/2T); Keno (Vargas, 28’/2T) e Hulk
Técnico: Antonio “El Turco” Mohamed

FLAMENGO: Hugo Souza; Fabrício Bruno, David Luiz e Filipe Luís (Léo Pereira, 36’/2T); Rodinei (Matheuzinho, 36’/2T), Willian Arão, João Gomes e Everton Ribeiro (Lázaro, 17’/2T); Arrascaeta (Vitinho, 37’/2T) e Bruno Henrique (Diego, 26’/2T); Gabigol
Técnico: Paulo Sousa

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