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Metamorfose em 18 dias: Flamengo volta a competir em alto nível com o Palmeiras

Everton Ribeiro Flamengo Palmeiras Maracanã Brasileiro 2022

(Marcelo Cortes / Flamengo)

João Gomes Flamengo Palmeiras 2022

(Marcelo Cortes / Flamengo)

A velocidade da transformação – ou evolução – rubro-negra impressiona e por isso é impossível condenar o torcedor que opte pela prudência. Afinal, 18 dias antes o Flamengo era dominado de forma imperdoável pelo Fluminense na final do Campeonato Carioca sem esboçar sinais de reação. Mas o fato que se apresentou em campo na noite desta quarta-feira no Maracanã tampouco é inegável: no empate sem gols o Flamengo foi organizado, competitivo e por boa parte da partida superior ao Palmeiras, bicampeão da América e talvez a equipe mais organizada e competitiva do futebol brasileiro atualmente. Não é pouco. Em seu segundo teste no mais alto nível no padrão nacional, Paulo Sousa apresentou mais uma vez uma atuação do mesmo patamar do rival, como já ocorrera diante do Atlético-MG. As duas melhores versões do Flamengo sob sua batuta. Um ótimo indicativo.

É raro que tenhamos elogios a jogos no futebol brasileiro pelo nível de atuação das duas equipes. Mais raro ainda quando o jogo não conta um gol sequer no placar. Flamengo e Palmeiras prometeram e entregaram. Intensidade, organização, competitividade. E mostraram o porquê de ocupar ao lado do Galo o patamar acima dos demais. De novo em uma rota de evolução, o Flamengo sabia da necessidade de se apresentar bem. Ainda que saísse derrotado. O nível do jogo diante da torcida seria o mais determinante. Por toda atmosfera também. O primeiro reencontro depois da final em Montevideu. Um estádio abarrotado apenas de rubro-negros. A ótima vitória sobre o São Paulo. Muito a observar em cima do tabuleiro. Ainda com vários desfalques – Rodrigo Caio, Gustavo Henrique, Fabrício Bruno, Matheuzinho, Ayrton Lucas, Vitinho, Bruno Henrique – Paulo Sousa seguiu no seu caminho de segurança. Mudança mesmo apenas Isla na vaga de Rodinei. Plenamente justificável.

E como entrou o Flamengo em campo? Antes vale um breve desvio de rota. Está lá no livro “Guardiola – Confidencial”, de Marti Perarnau, a opinião do técnico catalão sobre o modo geral de definir esquemas táticos. São a seu ver “números de telefone”. Apenas isso, pois quando as equipes se movem, tudo muda. O ideal é ter em mente como se portam esses times. Linhas de quatro ou cinco defensores. Três ou dois atacantes. E por aí vai. De restante são organismos vivos. A ideia de dar números aos esquemas das equipes é “desenhar” na cabeça de quem acompanha os jogos, algo que remete aos tempos em que as transmissões de rádio eram dominantes. Faltavam imagens para o torcedor. Na era em que um smartphone nos encharca com todos os ângulos de um mero lance, de fato isso perde um pouco a relevância. Voltemos à rota.

Paulo Sousa pode ter concedido em algumas movimentações aos jogadores desde o início do ano. Mas a ideia de seu sistema de jogo está lá. Como o próprio já disse de maneira didática na coletiva pós-jogo contra o Atlético-GO. Ao atacar um 3-4-2-1 (ou 3-4-3, como queiram) e ao defender um 4-4-2. Mas há enorme diferença para os jogos da final do Carioca. Não apenas na escalação, mas na forma como o time pressiona o adversário no campo ofensivo, de maneira muito mais intensa. Fisicamente o patamar do elenco também já indica ser superior ao de quase 20 dias atrás. Com um Maracanã pulsante por trás e concentração elevada, o nível do jogo sobe. Quando o adversário exige, melhor ainda. Era o caso desta quarta-feira.

O Palmeiras de Abel Ferreira já pôde ser chamado de retranqueiro com justiça. Acadelou-se, por exemplo, nas semifinais da Libertadores de 2021 diante do Atlético Mineiro de maneira inadmissível. Mas desde a Supercopa do Brasil de 2021, Abel demonstra interesse em também agredir adversários em jogos grandes, por mais que possa recuar em algum momento na ideia. Na própria final da Libertadores o Palmeiras utilizou com excelência de sua principal qualidade, a arte de defender. Mas agrediu o Flamengo com cinco minutos ao abrir o placar. É organizado e extremamente competitivo. Organização militar. Cada jogador sabe exatamente o que fazer e o contragolpe se não acompanhado com extrema atenção é mortal. Num 4-2-3-1, Rony móvel à frente, entrou no Maracanã com força máxima.

Fla no primeiro tempo: time intenso e Everton e Lázaro inspirados

Com duas equipes dispostas a se agredir, altamente competitivas e intensas, com grande organização, seria muito difícil a partida não apresentar um alto nível. E cada um ao seu estilo. O Flamengo tentou ocupar o ataque, roubar bolas no campo ofensivo e arrematar as jogadas. Paulo Sousa tem gosto pelos lados do campo, deseja que o time trabalhe por esses setores e busque o fundo. O Palmeiras nega esse espaço. Permite se tanto a chegada até a intermediária. Sem o fundo, o time rubro-negro alternou passes pelo meio e lado, mas buscando o corredor central, às costas de Danilo e Zé Rafael. Por ali Arrascaeta conseguiu espaço para o belo chute que beijou a trave de Weverton. Por ali Lázaro fintou Danilo e avançou para rolar a Gabigol, que cruzou no capricho para Arrascaeta ficar muito próximo de abrir o placar ao pé da trave. Havia esse espaço. Mas com o time avançado, o Flamengo também concedia…espaço.

Palmeiras no início: intenso, contragolpe e força com Veiga e Dudu

Era um jogo desenhado nesse sentido. A linha avançada do Flamengo é um convite ao contragolpe do Palmeiras, seja por baixo ou com a bola longa por cima. Estar preparado para isso era essencial. O time de Paulo Sousa demonstrou estar. Além da tática, também com vigor físico e atento. Em sua linha de três ao avançar, o time rubro-negro tem Filipe Luís pelo lado esquerdo. Os 36 anos pesam a um jogador que nunca teve como característica a velocidade. Mas inteiro fisicamente – ao contrário da final da Libertadores – Filipe soube fazer com excelência a leitura dos espaços. Saiu por 15 minutos com alguma liberdade até para construir o jogo. Abel percebeu a falha e forçou Veiga junto com Dudu no setor para levar problemas ao Camisa 16. Complicou, de fato. Mas Filipe utilizou os anos em campo para ler a jogada e se antecipar. Foram bons desarmes tanto em Veiga quanto em Dudu em lances perigosos. Mas em lances de extrema velocidade nos setor, o Palmeiras criou. Num contragolpe de Dudu a Veiga, que saiu frente a frente com Hugo e tocou para fora. E depois num corte de Dudu para dentro, com batida de canhota por cima do gol, mas com perigo.

É impossível duelar com o bicampeão da América e não sofrer riscos, ainda mais ao se lançar ao ataque e em pleno processo de reconstrução. Essa é uma diferença fundamental. O Palmeiras que entrou em campo no Maracanã tinha apenas duas mudanças em relação ao time que levantou o tri no Centenário meses antes. Em vez de Luan e Mayke, Murilo e Marcos Rocha. O Flamengo mudou bastante. De técnico a goleiro e sistema de jogo. E marcava bem o Palmeiras. Reduzia a possibilidade de o time paulista variar o seu ataque. Retirava seus espaços no meio para troca de passes, impedia qualquer tentativa de um jogo melhor construído e forçava o contra-ataque. O Palmeiras na sua saída de jogo mantinha Marcos Rocha, Gómez e Murilo e liberava Piquerez com Scarpa pela esquerda. Isla, concentrado, teve ótima ao fechar o lado e sair com inteligência. Mas o grande diferencial do jogo rubro-negro na noite mesmo atendeu pelo nome de Everton Ribeiro.

A evolução das atuações da equipe acompanham também o nível do camisa 7. Quanto melhor Everton Ribeiro, melhor o Flamengo. Foi a atuação mais destacada do jogador em muito tempo. Nem mesmo no jogo contra o Talleres, quando marcou dois gols, Everton esteve tão bem. E é interesse notar. No 4-4-2 do time histórico de Jorge Jesus o meia rendia muito bem do lado direito. Agora com Paulo Sousa foi testado na ala esquerda e ficou aquém. Virou discurso usual afirmar que o técnico cedeu e voltou com o time ao 4-4-2, jogando Everton para direita, o que o fez render bem novamente. Mas não. Lembremos o número de telefone de Guardiola. O Flamengo ataca no 3-4-2-1. Na teoria Ribeiro formaria a dupla com Arrascaeta atrás de Gabigol. Na teoria, no campinho formado no quadro magnético. No organismo vivo, Everton flutua por dentro e forma quase uma trinca com João Gomes e Thiago Maia, embora fique um pouco mais à frente. Tem liberdade ao atacar. Circula do lado para dentro. Tecnicamente bem, girou, acelerou o jogo, driblou, orquestrou o time. Mente criativa quando tem como parceria Arrascaeta para trocar passes e, mais ainda, sente segurança com os volantes por trás.

Fla no segundo tempo: mais no campo rival, Marinho pela esquerda

O companheiro Victor Nicolau, o Falso Nove, ótimo analista, já chegou a destacar a importância dos volantes no desempenho do sistema de Paulo Sousa. E com o detalhe dos pés trocados. Ou seja: João Gomes, destro, pela esquerda. Thiago Maia, canhoto, pela direita. São vorazes na marcação, principalmente João – talento cada vez mais lapidado – e ao desarmar ou receber a bola têm mais facilidade para acionar com passes em profundidade os alas ou até mesmo meias por dentro. Restam ajustes? Obviamente. Posicionamento do corpo, movimentação, ajuste de setores. O Palmeiras teve suas chances e seus escapes, um deles ao fim do primeiro tempo, com Scarpa pela esquerda, cruzamento rasteiro e bom chute de Danilo para ótima defesa de Hugo. Um primeiro tempo de altíssimo nível.

Palmeiras ao fim: mais retraído, mas ainda tentando pressionar

O segundo tempo trouxe um Flamengo mais presente no campo de um Palmeiras que pareceu optar por se resguardar. Dar mais espaço e buscar definitivamente o contra-ataque, até mesmo para poupar fôlego depois do ritmo intenso do primeiro tempo. Paulo Sousa diante de um adversário mais recuado conseguiu até fazer experiências por minutos: Filipe Luís se posicionou pelo lado direito do campo durante saída de bola. Durou pouco, mas foi curioso. A marcação intensa do Flamengo seguiu a reduzir espaços para a criação de Veiga. O estilo de arbitragem de Wilton Pereira Sampaio adotado para a partida também chamou a atenção. Lances que seriam faltas óbvias para os padrões brasileiros foram ignorados, o que fez o jogo correr, mas a iniciativa exagerou na dose em alguns momentos ao ignorar infrações claras.

Com o bom desempenho do Flamengo em campo, Paulo Sousa trocou apenas Lázaro, cansado e já em ritmo abaixo, por Marinho. Abel promoveu mais substituições para renovar o fôlego da equipe. Talvez fosse interessante a Paulo Sousa utilizar Pedro principalmente nos minutos finais, quando o Flamengo buscava demais o jogo aéreo e tinha seguidos insucessos. O Palmeiras quando decide fechar sua área faz com qualidade invejável, principalmente com Gustavo Gómez. A questão é: com o funcionamento azeitado do time quem sairia? Thiago Maia para recuar Everton Ribeiro, em noite brilhante, e jogar Gabigol para o lado do campo? Seria uma possibilidade com o risco de perder o domínio por dentro e oferecer o contragolpe que Abel desejava quando renovou o fôlego com Gabriel Verón e Breno Lopes. Weverton buscou a bola de Arão para sacramentar o empate e garantir o empate em um jogo de alto nível que só não entregou mesmo gols.

Um duelo no qual o Flamengo teve 56% de posse*, finalizou 17 vezes contra dez do Palmeiras, embora no alvo tenham sido duas, mesmo número do rival. Um teste à altura que comprovou a retomada da evolução e fez o time mais uma vez responder bem. Em 18 dias, uma metamorfose rubro-negra para voltar a competir no alto nível.

*Números Sofa Score

FLAMENGO 0X0 PALMEIRAS

Local: Maracanã
Data: 20 de abril de 2022
Árbitro: Wilton Pereira Sampaio (GO – Fifa)
VAR: Rafael Traci (SC)
Público e renda: 64.816 pagantes / 69.997 presentes / R$ 2.626.305,00
Cartões amarelos: João Gomes, Thiago Maia (FLA) e Murilo, Rony, Zé Rafael, Marcos Rocha (PAL)
Gols:

FLAMENGO: Hugo Souza, Willian Arão, David Luiz e Filipe Luís; Isla, Thiago Maia, João Gomes e Lázaro (Marinho, 20’/2T); Everton Ribeiro e Arrascaeta; Gabigol
Técnico: Paulo Sousa

PALMEIRAS: Weverton, Marcos Rocha, Gustavo Gómez, Murilo e Piquerez; Danilo e Zé Rafael; Dudu (Breno Lopes, 38’/2T), Raphael Veiga (Jailson, 42’/2T) e Gustavo Scarpa (Gabriel Verón, 28’/2T); Rony (Rafael Navarro, 42’/2T)
Técnico: Abel Ferreira

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